terça-feira, 7 de julho de 2015

ANTÓNIO JORGE DELGADO: “AMÍLCAR CABRAL É O PRIMEIRO RESPONSÁVEL PELO FUZILAMENTO DE PESSOAS”

Opinião: Quem quiser a minha parte do 5 de Julho, que tenha bom proveito

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Num artigo  de opinião  publicado no jornal Expressodasilhas, o deputado , António Jorge Delgado  critica Amílcar Cabral  e oferece a sua parte no 5 de Julho  quem quiser “. Mas, o  que  é mais polémico no texto de AJD  são as críticas  a  Cabral . Numa passagem do  artigo escreve “Cabral viveu intensamente a sua época.
 
Nesse percurso ganhou muitos amigos, mas foi criando as condições para o surgimento de um exército quase interminável de inimigos à volta da sua pessoa. A vida política de Cabral esbarrará sempre nos assassinatos em massa que ocorreram na Guiné-Bissau, sobretudo na sequência do congresso de Cassacá. Amílcar é o primeiro responsável pelos fuzilamentos de pessoas, muitas delas sem culpa formada, ocorridos na altura, nesse país africano. Neste caso ganha todo o sentido a sentença que diz que “quem com ferro mata, com ferro morre “
 
AJD  responsabiliza o fundador do PAIGC de ser o responsável pelo regime de partido único em Cabo Verde “Cabral sabia o que queria. Conscientemente, deixou-nos de herança um Partido que pela sua natureza punha de lado qualquer possibilidade de coexistência com outros Partidos, eliminando qualquer hipótese do contraditório, do pluralismo e da convivência democrática entre os cabo-verdianos.
 
Por isso, não é difícil concluir que Cabral é o primeiro responsável pelos quinze anos de partido único que tivemos que suportar em Cabo Verde. Não deixa de ser cómico o esforço que se tem vindo a fazer no sentido de confundir Cabral com a Democracia. Pelas teorias, e sobretudo a partir da sua atuação prática, é fácil demonstrar que Cabral poderia ser tudo menos democrata.”
 
Servindo-se de  documento  atribuído  a combatentes guineenses tenta  mostrar que não é consensual que Cabral seja o Pai da Nacionalidade “Cabral é, efetivamente, uma figura incontornável da luta armada de libertação nacional ocorrida na Guiné Bissau, estando todavia longe de ser consensual a sua designação como “Pai da Nacionalidade” cabo-verdiana e pelos vistos até da própria Guiné Bissau, onde nasceu. Fonte: NN
 
Leia o texto completo.
 
 
Os donos do 5 de Julho, mais concretamente os vindos de África, de vez em quando, cinicamente, deixam escapar pelo canto da boca a afirmação de que o 5 de Julho pertence a todos. Que fique, desde já, muito claro! Por mim, quem quiser ficar com a parte que me toca, desejo apenas bom proveito. A Independência e a Democracia, estas, sim, são contas de outro rosário. Não as vendo nem dou.
 
Quando os ”combatentis di mato” desembarcaram em Cabo Verde foram recebidos como libertadores, com muita festa, muita alegria, pelo menos por parte dos jovens. Infelizmente, pouco tempo depois, esses senhores transformaram-se em verdadeiros ocupantes. Autênticos senhores das ilhas. Donos de tudo.
 
Mais do que isso, Amílcar Cabral foi consagrado como o Deus destes “dez grãozinhos de terra”. Transcendente, imaculado, irrepreensível, perfeito.
 
No meio de tudo isso, a voz dos proprietários agrícolas foi abafada pela reforma agrária, os comerciantes esmagados, a igreja católica espezinhada, as famílias divididas e os intelectuais intimidados e perseguidos.
 
Cinco de Julho de 1975 marca o fim de um regime colonial fascista de má memória e o início de um regime substituto do mesmo tipo, embora com outras roupagens, regime que matou no ventre a esperança de um país livre, transformando-se rapidamente num pesadelo que viria a durar longos 15 anos. 
 
A liberdade chegaria finalmente em 1990, baseada num amplo catálogo de direitos, liberdades e garantias, aceite em todos os cantos do mundo onde o homem está acima de tudo, onde a democracia não precisa ser adjetivada, fazendo, assim, cair a democracia revolucionária de Amílcar Cabral e outras de igual teor.
 
Cabral foi assassinado em 1973, pelos seus camaradas de luta, dois anos antes da independência. Por isso, aparentemente, poder-se-ia admitir que ele não teve qualquer responsabilidade no regime autoritário iniciado a 5 de Julho de 1975.
 
Disse aparentemente porque, na realidade, se passarmos uma vista de olhos pelas outras organizações políticas aparentadas com o PAIGC e que combateram o regime colonial português, verificamos que em Angola e São Tomé e Príncipe foram criados Movimentos (MPLA e MLSTP), em Moçambique e Timor surgiram “ Frentes”, (FRELIMO, FRETILIM), admitindo-se sempre a possibilidade teórica (porque eram todos de natureza autofágica) da coexistência de forças distintas mas irmanadas no combate ao inimigo comum que era o regime colonial fascista de Portugal. Só na Guiné e Cabo Verde, obrada pela “mente iluminada” de Cabral, surgiu o PAIGC – Partido que colocou a si próprio à frente e acima da sociedade e do Estado – vindo a definir-se posteriormente como “força luz e guia da sociedade e do Estado”. Isto não aconteceu  por puro acaso.
 
Cabral sabia o que queria. Conscientemente, deixou-nos de herança um Partido que pela sua natureza punha de lado qualquer possibilidade de coexistência com outros Partidos, eliminando qualquer hipótese do contraditório, do pluralismo e da convivência democrática entre os cabo-verdianos. 
 
Por isso, não é difícil concluir que Cabral é o primeiro responsável pelos quinze anos de partido único que tivemos que suportar em Cabo Verde. Não deixa de ser cómico o esforço que se tem vindo a fazer no sentido de confundir Cabral com a Democracia. Pelas teorias, e sobretudo a partir da sua atuação prática, é fácil demonstrar que Cabral poderia ser tudo menos democrata.
 
Cabral viveu intensamente a sua época. Nesse percurso ganhou muitos amigos, mas foi criando as condições para o surgimento de um exército quase interminável de inimigos à volta da sua pessoa. A vida política de Cabral esbarrará sempre nos assassinatos em massa que ocorreram na Guiné-Bissau, sobretudo na sequência do congresso de Cassacá. Amílcar é o primeiro responsável pelos fuzilamentos de pessoas, muitas delas sem culpa formada, ocorridos na altura, nesse país africano. Neste caso ganha todo o sentido a sentença que diz que “quem com ferro mata, com ferro morre”. Leis da guerra que quem vive na paz tem dificuldades em entender: A Constituição democrática de Cabo Verde dispõe que a vida humana e a integridade física e moral das pessoas são invioláveis. É isso mesmo! A vida humana é inviolável à luz da nossa Constituição Democrática. Viva a vida, viva a Democracia!
 
Ouvi ou li algures que os mortos mandam mais do que os vivos. Estou cada vez mais convencido que esta é uma grande verdade.
 
Cabral continua a mandar em Cabo Verde e a ser uma grande fonte de discórdia no nosso país. Veja-se o que está a acontecer com a perseguição mantida contra os dirigentes da Câmara Municipal da Praia, tudo por causa de um mercado provisório construído nas proximidades do monumento de inspiração leninista a ele dedicado.
 
Cabral é, efetivamente, uma figura incontornável da luta armada de libertação nacional ocorrida na Guiné Bissau, estando todavia longe de ser consensual a sua designação como “Pai da Nacionalidade” cabo-verdiana e pelos vistos até da própria Guiné Bissau, onde nasceu.
 
Vejamos o que regista um documento datado de Dezembro de 1960, da responsabilidade do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO  DA GUINÉ ,dirigido ao Bureau Politique National do PDC – CONACRY:
Passo a citar:
 
“1 - A secção de Dacar deu conhecimento ao Directório Nacional do Movimento de Libertação da Guiné da forma como Amilcar Cabral tem actuado no exterior. 2- É certo que o sr Amilcar Cabral nasceu na Guiné, em Geba, mas filho de pais 100% caboverdeanos. 3-Viveu poucos anos na Guiné razão porque não pode integrar-se na nossa vida, para poder sentir como nós os nossos próprios problemas, compreender a índole do nosso povo, os seus anseios, a sua capacidade de sofrimento. 4-Não obstante foi admitido no nosso movimento porque víamos nele apenas um guineano que se dizia amigo da terra onde nasceu, (…) 5 Infelizmente Amilcar Cabral não soube corresponder à nossa boa vontade e cedo começou a minar o nosso movimento, firmemente disposto a desintegrá-lo. “
Continuando, os autores do documento escreveram:
Volto a citar:
 
“ 15- O sr. Amílcar Cabral a coberto do nosso movimento: - recebeu dinheiro que dispendeu sem prestar contas do emprego que lhe deu; (…) – Denunciou como espiões três (3) patriotas guineanos que seguiam para Conakry em missão que lhes foi confiada pelo nosso movimento.” Fim de citação.
 
Como se pode ver, Amílcar Cabral, apesar de ter nascido na Guiné, não era reconhecido como guineense, pelo menos por parte de alguns. Menos ainda “pai da nacionalidade guineense”
 
E querem impor-nos a nós, imaginem, Amílcar como fundador da nossa nacionalidade; um homem que nunca se assumiu como cabo-verdiano e que não chegou a passar sequer dez anos da sua vida nesta terra seca.
 
Os cabo-verdianos já não sabem, hoje, quem são. Confrontamo-nos, claramente, com um problema de identidade que atrapalha o nosso percurso como povo. Há listas infindáveis de combatentes da liberdade da pátria numa terra em que o herói, o único herói consensual, deveria ser o povo.
 
Um povo que apesar das agruras da vida manteve-se firme, levantando bem alto a chama da dignidade, apesar das secas, apesar dos autoritarismos, apesar de tudo… Infelizmente, hoje, a dignidade deste povo começa a ficar mais plástica, mais maleável. É preciso saber porquê!
 
Torna-se necessário reconhecer que temos um problema com a nossa História, com a História de Cabo Verde. Não estamos a dar à História o tempo que ela merece.
 
O tempo de cada um de nós mede-se em dezenas de anos. O tempo da História exige outra escala, calcula-se em centenas de anos.
 
No próximo dia 5 de Julho será colocado no coração da nossa Democracia, no Parlamento cabo-verdiano, um busto em homenagem a Abílio Duarte. Custa a acreditar, mas é verdade!
 
Abílio foi o único Presidente da Assembleia Nacional Popular do regime de partido único, responsável pela tortura e assassinato de centenas de cabo-verdianos. 
 
Apesar disso há opiniões a favor e contra esta homenagem a Abílio. Os que se posicionam a favor, normalmente privilegiam as estórias que marcaram o relacionamento pessoal entre eles, relacionamento que a História, certamente, ignorará, por irrelevante.
 
E como ele há muitos outros “combatentes da liberdade” que já deram nome a ruas, praças, aeroportos, etc. e cujas estórias ainda ressoam nos ouvidos de muita gente que ainda se encontra entre nós.
 
Veja-se o texto que se segue, o qual, tal como outos documentos do mesmo teor, deveriam passar pelo filtro do tempo e da sociedade antes de entrarem os seus protagonistas para a Historia com “H” grande.
 
“Abaixo assinado dos Guineenses contra a condenação à morte do presidente Rafael Barbosa
Irmãos:
 
Acaba de ser condenado à morte por fuzilamento, pelo tribunal de guerra do PAIGC, Rafael Barbosa, o verdadeiro fundador, o militante número um e o presidente do Comité Central do partido.
 
(…) O homem que aliciou e mobilizou o próprio Amilcar Cabral e milhares de jovens para a luta … vai ser bárbara e cobardemente morto. Só porque isso convém aos usurpadores do poder na nossa terra.
 
(…) Aquele que conheceu durante tão longos anos, a tragédia da doença, a crueldade da tortura e a dilaceração do sofrimento nas masmorras da PIDE/ DGS, enquanto Luis Cabral, Fidelis  Cabral, José Araújo, Fernando Fortes e companhia eram assíduos frequentadores de “boîtes” e levavam farta  vida de comilões e beberolas em Dakar, ConaKry, Luanda etc., (…)
 
Citei partes de um documento que como tantos outros do tempo da luta podem ver o seu conteúdo confirmado ou desmentido por pessoas que ainda estão entre nós, agindo certamente algumas com frieza, outras com paixão, mas quase nunca com o distanciamento necessário que a História de um povo exige.
 
Não quero ser repetitivo mas a História exige de todos nós o seu próprio tempo, o tempo necessário para, compreender, interpretar e fazer justiça.
 
Hoje há pressa, muita pressa, para reduzir a escrito a história recente de Cabo Verde. Quem ganhará com isso? A honestidade,  a verdade, a justiça? de certeza  que não!

domingo, 05 julho 2015 06:00