segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Crise política: ANALISTAS GUINEENSES APONTAM FALHAS DO SISTEMA VIGENTE E DEFENDEM DIÁLOGO PARA SALVAR O PAÍS

A crise política e parlamentar vivida na Guiné-Bissau há cerca de dois anos bloqueou por completo o funcionamento do parlamento, como também impossibilita a viabilização do programa de três últimos governos nesta nona legislatura.  Para algumas vozes, a instabilidade política vivida há cerca de 20 anos no país, tem a ver com a falha do sistema político vigente ‘Semipresidencialista’, enquanto outras vozes defendem adoção de um pacto de estabilidade política como uma das soluções para acabar com a instabilidade.
O Democrata ouviu os especialistas em assuntos políticos da Guiné-Bissau, designadamente o Mestre em Ciências Políticas, Temóteo Samba Mbunde e Tamilton Gomes Teixeira, licenciado em Sociologia, ambos apontam falhas do sistema político vigente e defendem o diálogo sério para salvar o país. Afonso Té,  líder do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento (PRID), apesar de defender a mudança do sistema político, sugere a adoção do sistema ‘Presidencialista’ como a solução para a constante crise política no país.

PRID DEFENDE REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO VIGENTE E ELEGE ADOÇÃO DE PRESIDENCIALISMO
Para o líder do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento (PRID), António Afonso Té, a solução para a constante instabilidade política e governativa na Guiné-Bissau passava pela reforma do sistema político vigente do país (o Semi-presidencialismo) e adotar o sistema presidencialista que, no seu entender, adaptar-se-ia à realidade do país.
O político acrescenta ainda que é preciso criar um espaço nacional de concertação e do diálogo permanente que envolva as forças políticas, membros da sociedade civil e os elementos observadores da Comunidade Internacional da qual o país faz parte, bem como representante do poder tradicional. Na visão do político, o referido espaço de concertação ajudaria na escolha de um sistema político viável que adaptasse à realidade do país, através de um debate sério e responsável das matérias apresentadas antes que sejam submetidas ao parlamento para a sua adoção.
Perante essa realidade, o líder do PRID não tem dúvida que o país tem sofrido com o sistema político vigente, do qual continua a ser vítima. Na sua observação deixa claro que, “essa situação de vitimização é resultado das incongruências de certas personalidades políticas influentes do país e de certas organizações políticas do nosso país”, refere.
Afonso Té diz acreditar, no entanto, que se o país tivesse construído um espaço nacional de diálogo e de concertação permanente, teria percebido que dez anos depois da sua adoção que o sistema vigente na Guiné-Bissau não iria avançar o país, mas pelo contrário criaria dificuldades no funcionamento das instituições.
“Espaço nacional de concertação estaria em condições de operar uma alternativa viável, ou seja, uma proposta de saída para que o sistema seja adequado as nossas condições. Ou seja, tenhamos que mudar do sistema, porque não serve”, enfatizou o líder dos republicanos.
Segundo Afonso Té, o sistema político em vigor na Guiné-Bissau é um modelo que continua a dividir as pessoas e criar dúvidas, porque não separação dos poderes e cada um assume o protagonismo de ser o único detentor do poder.
Apesar de tudo, o político guineense garante que o seu partido defende e continua a defender a criação de um espaço de concertação nacional que vai trabalhar para a criação das bases que possam sustentar pacto de estabilidade política.
Adiantou que o seu partido vai defender a adoção do sistema presidencialista para a Guiné-Bissau, com forma de “evitar a situação bicéfala do poder, porque as pessoas têm dificuldade em perceber que essa bicefalia tem que ser sincronizada para conseguir uma direção única do país e trabalhar para o desenvolvimento na Guiné-Bissau”.
Sobre a iniciativa da reconciliação nacional da família guineense levada a cabo pela Comissão Nacional de Reconciliação, Afonso Té disse que é difícil avançar com a iniciativa de reconciliação nas circunstâncias em que se encontra o país.
“Estou com medo que efetivamente as pessoas estejam a ganhar o dinheiro nas nossas costas. Essas convocações todas parecem já uma moda. É preciso atacar o problema pela raiz e ousar mesmo atacar o problema na base do conhecimento da realidade política da Guiné-Bissau”, alerta o político guineense, que, no entanto, frisou que o que saiu dessa conferência são apenas papeladas e mais nada de concreto.
“José Ramos Horta pediu voluntariamente para vir à Guiné-Bissau. Essa ideia pode ser uma ideia nobre se não estiver com alguma intenção secundária. A sua intenção é nobre, porque faz parte do espaço cultural que nós une, a CPLP. Mas será que isso é mesmo assim? Eu tenho dúvidas! Porque ele trabalhou para que essa situação se produza. Os erros cometidos, bem recentemente, é que estão a refletir na situação política que temos hoje”, assegurou o político.
Sem, no entanto, apontar erros em específico que o antigo chefe do UNIOGBIS, José Ramos Horta, tenha cometido no seu mandato quando dirigia o gabinete, o líder dos republicanos afirma que foram cometidos muitos erros na altura e que um dos maiores erros tinha a ver com o fato de ter defendido que o PAIGC era o único partido com condições para gerir o país.
“Esse é um erro enorme da CPLP e um erro enorme de Ramos Horta. O PAIGC está perto de proposta de soluções para a saída de situação em que nos encontramos, porque o problema vem normalmente do PAIGC e são problemas internos do partido. Todos pensavam que se tratava do bloqueio do PAIGC, e é preciso desbloquear o PAIGC”, esclareceu.
Relativamente ao eventual agendamento do programa de governo pelo parlamento, Afonso Té admite que não há possibilidade para o agendamento de uma sessão parlamentar para a discussão e, consequentemente, aprovação do programa de governo e Orçamento Geral de Estado.
O líder do PRID justifica a sua afirmação com base no jogo político vigente no país, porque, segundo disse, o PAIGC percebeu que se convocar a sessão, o Programa e o Orçamento Geral do Estado passam com os votos da bancada parlamentar dos renovadores (PRS) e elementos do Grupo de 15 deputados dissidentes da bancada parlamentar do PAIGC.
Sobre as sanções que o líder do PAIGC pediu ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para ativar contra os políticos guineenses, e em primeiro plano o Presidente da República que, diz ter posto em causa o exercício da democracia, Afonso Té defende que as sanções devem ter rácios de ponto de vista da sua justificação, porque “senão estar-se-ia a cortar os efeitos e não as causas dos bloqueios da Guiné-Bissau”.
“Quem vai ser sancionado e com base em quê? São os políticos do PRS ou serão dos deputados do PAIGC a serem sancionados? Ou políticos do PAIGC que estão de outro lado, quem será sancionado? O problema é meramente guineense e deve ser resolvido pelos guineenses, enquanto a comunidade internacional ou a ONU só pode dar a sua contribuição ou conselhos para a solução dos problemas que temos, mas não sancionar alguém”, advertiu o político.
Assegurou ainda que as sanções do Conselho de Segurança não vão resolver o problema da Guiné-Bissau, porque conforme disse, “apenas vão sancionar um ou dois gatos pingados e acabou, e depois?”, questiona.
“Quais serão os efeitos práticos dessas sanções em relação ao bloqueio que existe no país, ou então, a solução para a saída do bloqueio que existe no momento. Algumas personalidades já foram sancionadas neste país e disseram que não podiam viajar, e acabaram por viajar durante todo o tempo, portanto em quê é que foram sancionados. Não estou a ver isto como uma solução aos problemas do bloqueio que estamos a enfrentar”, disse o presidente do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento.
TEMÓTEO: “NÃO HÁ FÓRMULA MÁGICA NENHUMA QUE RESOLVA O IMPASSE SEM CONCESSÕES POLÍTICAS”
Especialista em Assuntos Políticos, Mestre Timóteo Saba Mbunde disse a’O Democrata que para já não existe fórmula mágica para a elaboração e observação efetiva de um pacto de estabilidade política para a Guiné-Bissau, sem que os atores envolvidos queiram fazer concessões, que considera do primeiro aspecto para a efetivação do pacto de estabilidade política.
“Aliás, o fracasso em relação à implementação do acordo ou recomendações políticas de Conacri sinaliza nitidamente que o principal ponto desse imbróglio diz respeito à liderança do governo. Em um eventual pacto de estabilidade governativa, quem seria o líder do executivo?”, questionou o especialista político.
Assegurou ainda que o primeiro-ministro é figura fundamental na distribuição dos cargos e demissão de integrantes do governo, por isso o PAIGC condiciona a sua participação no eventual governo à condição de chefiar o executivo. Acrescenta, no entanto, que os libertadores fizeram isso pensando no futuro político de curto e médio prazos, bem como projetando também o seu amanhã político.
“O Presidente da República (e o seu círculo político) e o próprio PRS, negam o PAIGC essa possibilidade. Aliás, o chefe do governo questiona a mediação de Alpha Condé justamente porque este advoga formação de um governo cujo Primeiro-Ministro seja indicado pelo PAIGC, partido vencedor das últimas eleições. Ademais, esse questionamento desferido por Sissoco revela como a intransigência política vem caraterizado a crise em questão”, observou.
Solicitado a pronunciar se o sistema político vigente é a razão principal da crise política que tem assolado o país nos últimos tempos, respondeu que tinha defendido em algumas ocasiões, que o sistema político vigente está defasado e abre lacunas para hermenêuticas plurais, especialmente sobre as prerrogativas e limitações constitucionais do Presidente da República em relação à demissão do governo.
“E quando há tensões políticas, como ocorre hodiernamente, essas nebulosidades tendem a aparecer mais”, disse o jovem especialista em Assuntos Políticos, que entretanto, diz acreditar que o sistema político não é o único problema, porque segundo a sua explicação, o PAIGC e a Guiné-Bissau passam por uma crise de liderança política, ou seja, há crise de figuras políticas proeminentes, fortes ou carismáticas, com enorme capital político de construção de consensos políticos.
“Não temos mais Nino Vieira, Malam Bacai Sanhá, Koumba Yalá ou Cadogo Júnior. Não é que estes eram ou não o tipo ideal de políticos e estadistas para o país, mas potencialmente tinham mais elementos políticos para demolir focos de crise, independentemente dos métodos utilizados – isso seria outro debate”, precisou.
Para o especialista, a Guiné-Bissau nunca funcionou suficientemente na base da institucionalidade e das leis, por isso sente-se muito quando há um equilíbrio considerável, em termos de projeção e capital político limitado, entre os principais jogadores. Realçou neste particular que a corrente crise revela que as instituições partidárias e estatais, em sua grande parte, não funcionam por si só na Guiné-Bissau, precisam de personalismos quase que incontestáveis para mascarar a sua inoperância.
“A devolução de governação ao PAIGC enquanto legítimo eleito seria o ideal para dar solução a esse impasse, entretanto seria um revés político ao Presidente e à ala expulsa/suspensa deste partido. Por outro lado, está claro de que na atual conjuntura o governo dificilmente conseguirá aprovar seu orçamento e programa de governação na ANP. Talvez fosse interessante propor um Primeiro-Ministro que não fizesse parte de nenhuma das partes conflitantes. Um nome neutro. Mas quem o seria, e acima de tudo quem o indicaria? CEDEAO, ONU, CPLP, organizações da sociedade civil? Será que estas organizações não estão politizadas ou não são politizáveis? Claro que são”, notou.
Timóteo Samba Mbunde aponta algumas soluções para a resolução que passaria para a realização antecipada das eleições, que depende da dissolução do parlamente por parte do Presidente José Mário Vaz, ou que a governação seja devolvida ao PAIGC, ou a crise arrasta até 2018.
“Esta última condição é preocupante, porque poderá gerar uma crise maior no país, em 2018, tendo como epicentro as prévias eleitorais no PAIGC. Reitero, não há fórmula mágica nenhuma que resolva esse impasse, sem que haja concessões políticas significativas”, sustenta.
TAMILTON: “GUINEENSES PRECISAM SENTAR-SE A UMA MESA E CONVERSAR DE MANEIRA FRANCA E SÉRIA”
Tamilton Gomes Teixeira, um observador dos assuntos da política guineense que se encontra no Brasil [UNILAB/CEARA], explicou a’O Democrata que o único pacto que ajudará a Guiné Bissau a sair da sua crise é aquele assumido pelo povo (através de eleição). Adianta ainda que “não quero crer que, foram implementadas várias soluções de promoção de paz. Acho que são mecanismos que foram sempre frágeis, sem definir o que aconteceria quem depois colocar em causa a paz alcançada”.
“A própria UNIOGBIS e as demais organizações vocacionadas precisam pensar, se de facto têm ajudado a Guiné e principalmente os guineenses. Se a comunidade internacional julga que tem ajudado a Guiné através de constantes realizações das eleições, está amplamente enganada. Porque, eu, particularmente, não entendo esta lógica de ajudar sempre quem não quer se auto ajudar. Os guineenses precisam sentar-se a mesma mesa e conversar de maneira franca e séria. É importante que saibamos o seguinte: ninguém mais tem interesse nas coisas que acontecem na Guiné e aos guineenses de forma como acontecem. Nós temos que deixar esta estratégica retórica de que, precisamos de “pacto de estabilidade”. Estabilidade é uma palavra bonita, que todos nós procuramos e desejamos mesmo para a nossa vida. Mas não podemos confundir ou forçar uma pseudo estabilidade política”, precisou.
Na visão de jovem analista político, a Guiné-Bissau precisa assumir, através da sociedade civil, criação duma nova Câmara política que passará necessariamente pelo investimento na educação de base e superior. Sublinhou ainda que, “conseguindo isto, talvez tenhamos um Estado novo, forte e capaz. Um Estado com os seus atuantes à altura. Porque na Guiné Bissau, infelizmente até linguagens que os homens de Estado utilizam, como dizem brasileiros, são cafonas (algo pacato).
O sociólogo disse estar contra o pacto político que algumas vozes defendem como a saída para a crise, porque segundo ele, o povo guineense fez sua escolha através de ANP, e não entende por que motivo vai ter que entrar em acordos ou pactos.
“Estes pactos, na Guiné, historicamente, tem favorecido apenas aqueles que acham que, se não estão no governo temos que começar de zero. Até uma simples e humilde mulher no mercado de Bandim, sabe que para determinados políticos reina a seguinte lógica: quanto pio melhor. O Partido libertador tem tido dificuldade em conciliar o passado com o presente. A lógica de ‘nbai luta’ é muito mais pesada que a visão, capacidade, sagacidade e pessoas com visão para fazer face aos desafios atuais. Entendo que este é um momento oportuno para que PAIGC se renove e se redefina”, notou.
Para o jovem analista político, o Partido da Renovação Social (PRS) como maior partido de oposição poderia muito bem aproveitar-se da crise entre dirigentes de PAIGC para se reconstruir como potência e uma esperança de estabilidade.
“Renovando-se no discurso e na captação dos jovens quadros e não só. Mas infelizmente enfiou-se num problema que não é dele, mas que poderia muito bem aproveitar no sentido político. Acho que podemos ter sim uma estabilidade política se pormos fim a fenómeno ‘matchundade’!”, assegurou.
Relativa à reforma do sistema político vigente do país que alguns analistas entendem é o fator do diferendo entre os titulares de órgãos de soberania, Tamilton Gomes Teixeira, reconhece igualmente que o país falhou desde o começo da adoção do referido sistema.
“Acho que falhamos no prelúdio. Eu acho que PAIGC, não obstante após independência não ter capacidade e experiência de governação, deveria ter mais tempo para fazer determinadas coisas. Infelizmente descarrilou-se. Creio que para nós, a Democracia chegou demasiado cedo. Defendo ditadura? Não. A própria Europa é um exemplo. Em Portugal não foi fácil chegar à Democracia. Mesmo depois de 25 de Abril de 74 não foi fácil. MAF (Movimento das Forças Armadas) que, derrubou regime de Salazar e Caetano não passou de imediato bastão aos políticos. Houve todo um processo de maturação e organizar a casa para depois pensar nova realidade. Golpe de 14 de Novembro de 1980 é importante para estudar a Guiné e seus problemas. Abertura democrática, foi através de uma chantagem, a meu ver”, frisou que, no entanto, defendendo que é importante entender determinados processos internacionais para entender questões locais internas. “A derrocada de bloco socialista soviético, ex URSS vai ter forte impacto nos países recém independentes como a Guiné, que dependia dele. É neste contexto que o capitalismo vai se consolidar e alargar mais suas bases para África. É importante falar de programa de Ajustamento estrutural e suas políticas como liberalismo económico por exemplo. Dentro do pacote estava também a Democracia. Foi nesse contexto de grandes aberturas que chegamos a Democracia”, lembrou este estudante das ciências sociais na UNILAB/Brasil.
Afirmou ainda que não sabe dizer se a instabilidade política constante tem a ver com a falha do sistema político, tendo frisado que, “acho que mesmo se mudássemos hoje o modelo, teremos mesmas pessoas que são vocacionadas a instabilidade a criar desordem enquanto suas vontades não forem atendidas. Portanto, acho que o problema não é tanto assim sistema, embora reconheço a sua cota. Precisamos criar um novo modelo de Estado com base num estudo aprofundado e preciso”.
Sobre o agendamento da sessão parlamentar para a discussão do programa de governo e o orçamento, assegurou que o  quadro político agora está muito mais complexo que antes, com posições bem demarcadas e discursos inflamados. Sublinhou, no entanto, que a Guiné-Bissau é um país que salta um olhar intelectual devido os seus ‘modus operandis’, portanto quem sabe o que poderá acontecer na ANP depois?
“Estou mais convencido de que temos uma legislatura perdida. PAIGC tem uma conta a acertar com os guineenses e antes de ousar se lançar para próximas eleições precisará desculpar-se com os seus eleitores e militantes por fazer-lhes eleger deputados e um presidente de República que não falam a mesma língua e nem têm mesmo conceito de governação e desenvolvimento”, disse.

Por: Assana Sambú