O espaço de terra em litígio que envolve o comerciante Mamadu Saido Djaló e 47 proprietários de casas que um oficial da justiça e os elementos da Polícia de Ordem Pública desocuparam no passado dia dois (02) de fevereiro, sob as ordens da Vara Cível do Tribunal Regional de Bissau, que julgou o processo, situa-se no novo bairro denominado Gabuzinho, periferias da capital Bissau e dista três quilómetros do troço principal que liga o bairro de São Paulo ao bairro dos antigos combatentes, em Antula Bono. Ainda de acordo com a comissão dos moradores desocupados, são no total 74 casas que deveriam ser desocupados [estimado em mais de mil famílias], mas naquele dia apenas conseguiram despejar 47 casas.
Segundo relatos dos habitantes locais, o espaço pertence igualmente ao reino de ‘Koura’. Em tempos que já vão, era habitado maioritariamente pelo grupo étnico ‘pepel’ e mais um número reduzido de famílias balantas. Ainda de acordo com as informações recolhidas no terreno, o espaço em causa pertence a um homem balanta, Induta Aponto Sanhá, proveniente da tabanca de Incheia, região de Oio, setor de Mansoa, norte do país.
O velho Induta, entretanto falecido, nome por que era conhecido pela comunidade, conseguiu o terreno da parte dos homens grandes pepeis, que lho concederam para aí fixar a sua residência, isto é, construir a sua ‘morança’, no período da época colonial.
JUSTIÇA ORDENA DESOCUPAÇÃO AOS PROPRIETÁRIOS DE CASAS CONSTRUÍDAS NO TERRENO
Devido às reivindicações de ambas as partes, Djaló decidiu entrar com um processo na justiça, no qual reivindica o direito de uso privado de uma parcela daquela terra, adquirida ao velho Induta Sanhá.
Lassana Camará, Juiz de Direito do Tribunal Regional de Bissau – Vara Cível e que julgou o processo de litígio que opõe Mamadu Saido Djaló a dez pessoas devidamente identificadas no processo, decidiu, através de uma sentença datada de 01 de dezembro de 2015 e a que O Democrata teve acesso, condenar os réus a reconhecerem o autor (Mamadu Saido Djaló) como legítimo titular de direito privativo e possuidor do terreno em litígio e, em consequência da decisão judicial, aceitar que o terreno fosse restituído ao dono.
De acordo com a sentença, o tribunal absolveu, no entanto, os réus do pagamento da indemnização estimada em 500 000 francos CFA (quinhentos mil francos CFA), que o autor teria pedido ao tribunal, tendo em conta as perdas e danos que disse ter sofrido dos ocupantes do terreno.
Os réus devidamente identificados no processo, de acordo com o ‘Mandado de Execução’ produzido pela Juíza de Direito de Execução Cível do Tribunal Regional de Bissau, Samarise Barbosa, são: Gina Gomes, Sana, Momoque Nanque, Mário, Ussumane, Babagalé, Bubacar Baldé, Fode Cassamá, Juca e Augusto.
“Manda qualquer oficial de justiça desta Vara Cívil, com auxílio dos Agentes de Ordem Pública para garantirem a segurança da diligência em caso da resistência, que em cumprimento deste por mim assinado e com a observância de todas as formalidades legais, se execute a decisão judicial. Ou seja, proceder a entrega de todo o terreno ao Exequente e ao mesmo tempo desocupar todos os que ocuparam o referido terreno indevidamente e investir o Exequente na posse do mesmo terreno”, lê-se no Mandato de Execução produzido pela juíza, no dia 20 de julho de 2016.
Segundo informações apuradas no local, o processo de desocupação tinha sido iniciado em Agosto de 2016, mas houve resistência da parte das pessoas que recusaram sair das suas casas, dado que reclamavam igualmente que são os donos legítimos do mesmo terreno e não o contrário.
“Vieram desocupar-nos das nossas casas em agosto de ano passado, mas decidimos resistir. Desta vez resolveram voltar com uma força policial para nos humilhar. Ninguém aqui roubou algo nenhum, portanto não compreendemos esta carga policial acima das pessoas. Cada um de nós é uma pessoa responsável, com a família. Nós labutamos para comprarmos os terrenos e depois construirmos as nossas casas. Hoje o tribunal mandou-nos desocupá-las, porque não temos meios financeiros como a pessoa que está a reivindicar o terreno tem”, disse proprietário de uma das casas que, no entanto, avançou que se tivessem dinheiro para pagar a justiça como fez o Djaló, não seriam desocupados.
O Democrata soube, no entanto, que os moradores de Gabuzinho já constituíram um advogado que vai avançar com uma ação de embargo de terceiro no tribunal, onde vai levantar a questão da omissão de formalidade essencial no mandato de notificação. A fonte explica ainda que este é um procedimento que deve ser dado, porque o processo já foi julgado e sentenciado.
POP AGREDIU E DETEVE MORADORES DE GABUZINHO QUE LUTAVAM POR SEUS TERRENOS
O Democrata constatou agressões no local aquando da desocupação ordenada pelo tribunal. O oficial da justiça fazia-se acompanhar de mais de 30 elementos da Polícia de Ordem Pública armados com AK-47, para garantir a sua segurança. O oficial de justiça executou o “Mandado de Execução” através de alguns jovens que retiravam as cargas das casas e mais um carpinteiro que selava as portas com uma corrente e um cadeado.
No local, algumas crianças não resistiram quando viram os seus materiais escolares na rua. Soltaram gritos reclamando frequentemente que a atitude da justiça era anormal. Enquanto as mulheres reclamavam de um lado para outro com os jovens que retiravam as cargas das suas casas. Via-se muito sofrimento nos olhos das mulheres que não podiam assegurar as lágrimas e que igualmente sentiam que estavam a ser humilhadas com o comportamento das forças de ordem, como também alegavam que estavam a sofrer a injustiça da parte de justiça guineense.
Os homens estavam mais calmos à espera do resultado de contatos que os colegas encetavam através de advogados. A maioria dos moradores, ou seja, dos 47 proprietários das casas desocupadas alegou que não recebeu nenhuma notificação da parte do tribunal exigindo a desocupação e muito menos uma notificação para comparecer no tribunal, por causa da ação movida por Mamadu Saido Djaló, que reivindica ser o dono legítimo do terreno ocupado.
Não obstante a situação de aflição, alguns familiares e proprietários das casas tomaram a iniciativa de filmar, com os seus telefones pessoais, os jovens que retiravam as suas pertenças de dentro da casa. Uma atitude que a polícia e o oficial da justiça entenderam de anormal, pelo que a polícia interveio batendo nelas com bastões e cinturões. Algumas pessoas foram agredidas brutalmente, depois levadas para a detenção nas celas da Esquadra Modelo do Bairro Militar e outras nas celas da Polícia Judiciária, em frente ao mercado de Bandim.
Mussa Djau foi detido quase 24 horas na Esquadra Modelo de Bairro Militar, por ter filmado os homens que retiravam as suas cargas da casa. Mussa Djau explicou ao repórter que tomou a iniciativa de filmar as pessoas que retiravam as suas cargas dentro da sua própria casa, incluindo o oficial de justiça, para ter como prova, se um dia notar que foi roubado, aliás, como acabou por acontecer.
“Tomei a iniciativa de filmar com o meu próprio telemóvel, mas fui agredido pouco depois por um agente da Polícia da Ordem Pública. Tirou-me o telefone e de seguida o comandante que dirigia a força ordenou que fosse algemado. Fiquei preso por quase 24 horas, das 14 às 12 horas do dia seguinte, sem nenhuma culpa”, explicou.
Segundo Mussa Djau, os jovens terão roubado e levado muitas coisas e inclusive a gargantilha da sua esposa.
Domingos Soares, ex-deputado do PAIGC (eleito na região de Oio, sector de Mansaba), foi também um dos moradores detidos pelas forças de ordem. A vítima contou ao repórter que o seu filho de 17 anos, Abeni Domingos Soares, estava a filmar as pessoas que retiravam as cargas da sua casa, mas a polícia não concordou com a situação e resolveu detê-lo. Na tentativa de convencer os agentes da polícia para não baterem no seu filho, foi levado juntamente com este, porque os agentes julgaram que estava a reclamar de mais.
“Levaram-nos para a PJ de Bandim. O agente da Polícia Judiciária que estava de serviço pediu a documentação sobre a razão da nossa detenção, mas não apresentaram nada. Deixou-nos sentados numa das salas até às 18 horas, depois mandou libertar-nos. Mas pediu-me para colaborar, caso precisassem da minha cooperação”, notou.
NCOLÉ SANHÁ CONFIRMA QUE VENDERAM UMA PARCELA DE TERRENO AO COMERCIANTE DJALÓ
Mamadu Saido Djaló adquiriu, em 2008, uma parcela do terreno, em tempo um pomar de cajú que pertencia ao velho Induta Aponto Sanhá, num valor estimado em 7 300 000 (Sete milhões e trezentos mil) francos CFA [onze mil euros]. O documento de ‘Compra e Venda’ na posse de O Democrata e assinado pelo filho do proprietário do terreno, Ncolé Sanhá e o próprio comprador, Mamadu Saido Djaló, não definiu o tamanho da parcela do terreno vendido ao comerciante, em termos de talhões ou metros quadrados.
Ncolé Sanhá explicou que o terreno fora vendido na altura para ajudar a resolver algumas situações e terminar obras de construção das casas que o velho Induta fazia no momento, junto à estrada principal do Plack-1. Avançou que o espaço vendido ao comerciante estava muito bem delimitado e frisou que não havia necessidade de o Djaló envolver-se em litígio contra outras pessoas se ele, Mamadu Saido Djaló, se limitasse no espaço que lhe fora apresentado no momento da compra.
“Algumas zonas ou terrenos que o Djaló está a reivindicar não lhe pertencem. Aquelas zonas não nos pertencem. Gina Gomes, a mulher que foi citada no papel, o espaço que ocupa não faz parte do terreno que nós vendemos ao Mamadu Saido Djaló. Vendemos o terreno em 2008. Mamadu Saido Djaló mora nessa zona, se houvesse construções em curso na altura no seu espaço, certamente que ele teria reclamado ou recusado que fossem concluídas as casas naquele terreno”, esclareceu.
Ncolé Sanhá lembrou ainda que Djaló pagou o referido terreno com algumas notas falsas que, segundo disse, foram descobertas no banco, onde foi depositar o dinheiro.
“Fomos ao banco para depositar o dinheiro que recebemos do Mamadu Saido Djaló e aí descobriu-se que uma quantidade significante de notas era falsa. Fui confrontado com a situação pelo pessoal do banco, mas fui franco. Informei que o dinheiro era proveniente da venda de um terreno. Informei igualmente ao Djaló, mas negou dizendo que não sabia se havia notas falsas no monte do dinheiro”, contou.
Domingos Sanhá, um dos sobrinhos do velho Induta, explicou que Djaló sempre criou problemas a volta do terreno, tendo recordado que uma vez foram à justiça por causa do mesmo assunto, porque ele, o Djaló, queria apoderar-se de uma parte do terreno, mas a família recusou.
Contou ainda que o comerciante de origem Conacri-guineense quer aproveitar da fragilidade da justiça guineense para apoderar-se dos terrenos que, segundo disse, pertencem a outras pessoas.
DJALÓ ABRE OUTRA FRENTE DE LUTA PELO TERRENO DA FAMÍLIA DE ATENHA NANQUE
O Democrata apurou ainda que Mamadu Saido Djaló envolveu-se igualmente num diferendo contra a família de Atenha Nanque, por causa de um terreno de 30 talhões, que diz ter comprado das mãos do homem grande, Atenha Nanque, no valor de 2.000.000 Francos CFA (dois milhões de francos cfa).
Ainda de acordo com uma fonte familiar, Djaló apenas pagou 600 000 F.CFA´s (Seiscentos mil francos cfa) para um terreno de mais de 30 talhões.
“Um dos filhos do homem grande, Bamoque, trabalha para Djaló no período da campanha de cajú. Um dia, Djaló disse ao Bamoque que queria comprar o terreno do seu pai, mas Bamoque informou-lhe que o terreno era um tesouro de toda família e que nenhum dos membros teria a coragem de assumir a responsabilidade de vendê-lo. Mesmo assim, Djaló foi negociar com o pai de Bamoque para que este lhe venda o terreno que pagou apenas no valor de 600 mil francos cfa. Agora, reclama ter entregado ao velho 2.000.000 Francos CFA”, contou a fonte.
A fonte avança ainda que os filhos do velho Nanque resolveram entrar com uma ação na justiça para reivindicar o terreno que Djaló diz ter comprado e conseguiram ganhar a justiça tanto na polícia como no tribunal.
A nossa fonte revelou que o velho Nanque confessou que o comerciante Djaló aproveitou quando estava embriagado e entregou-lhe o dinheiro para assinar o documento de compra e venda, através da impressão digital.
“O velho Nanque contou-me que Djaló foi a sua casa para fechar o negócio da venda do terreno na ausência dos seus filhos e tudo aconteceu quando estava embriagado. E Djaló entregou-lhe o dinheiro num valor de 600 mil francos CFA e depois tirou um documento para assinar e o velho confessou que não sabia assinar. Djaló tirou uma almofada de tinta e pegou-lhe o dedo indicador para pôr na tinta e colocar no documento. Por isso, os filhos decidiram entrar com uma ação na justiça para contestar o negócio que consideraram de ilegal”, informou a fonte.
Adiantou neste particular que o próprio homem grande deu instruções aos seus filhos para ceder dois talhões de terreno ao Mamadu Saido Djaló, porque adiantou o valor de 600 mil francos CFA. Sublinhou que os filhos de Nanque decidiram tirar quatro talhões para Djaló, mas este recusou porque queria dez talhões que alega ter pago. Os familiares recusaram conceder-lhos.
Um dos filhos de Atenha Naque, Augusto Gomes Sá, confirmou ao repórter que Mamadu Saido Djaló negociou com o seu pai às escondidas a compra do terreno que se estima em mais de 30 talhões no valor de 600 mil francos CFA.
“É verdade que ele negociou com o meu pai sozinho na casa do falecido Ramalheano. Eu cheguei a vê-lo a negociar com o meu pai, disse-lhe que não venderíamos aquele terreno. Djaló aproveitou quando ninguém estava em casa, levou o meu pai para a casa do falecido Ramalheano e negociaram alí. Foi lá que lhe entregou os 600 mil francos CFA [cerca de mil euros] para a compra de mais de 30 talões. A família toda negou aquele negócio, sobretudo nas circunstâncias em que foi feita e decidimos ir à justiça, onde acabamos por ganhar”, contou.
Lembrou que no mês de Agosto de 2016, os agentes do tribunal tinham despejado algumas pessoas a quem tinha vendido terrenos, pelo que tomou a inciativa de procurar o Djaló pedindo um esclarecimento sobre a situação.
“Falei com o Djaló sobre aquela situação, ele pediu-me perdão. Aliás, disse-me que as pessoas que foram ao local não conheciam o terreno. Falei ao Djaló que era melhor ele mesmo estar à frente a indicar o seu espaço para não criar problemas. Uma das pessoas citadas no documento do tribunal, Babagalé é meu cliente. Aquele terreno que Djaló reclama não é dele, é meu terreno”, esclareceu.
Augusto Sá afirmou que não vendeu nenhum pedaço do terreno ao comerciante Mamadu Saido Djaló, por isso advertiu-lhe para não perturbar os seus clientes.
Indagado se chegou a receber uma notificação do tribunal sobre o referido processo, respondeu que nunca foi notificado pelo tribunal sobre o litígio do terreno entre Djaló e as pessoas que ocuparam o terreno reivindicado pelo comerciante.
“Uma vez procurou-me para me informar que notificou as pessoas que o venderam o terreno, então respondi-lhe que não iria, porque eu não lhe vendera terreno nenhum. Ele queria que eu fosse ao tribunal, mas sem nenhuma notificação formal, recusei”, asseverou.
ABDUL DJALÓ E SEU ADVOGADO RECUSAM FALAR À IMPRENSA E RESERVAM TUDO PARA A JUSTIÇA
Entretanto, o repórter contatou Abdul Djaló, filho de Mamadu Saido Djaló, que, doravante, responde em nome do seu pai sobre o processo do terreno. Numa conversa via telefone, Abdul Djaló diz que não pode fazer nenhuma declaração sobre o assunto, mas indicou o advogado da família para falar do processo do terreno.
Cletche Na Isna, Advogado do processo, contactado pelo repórter, diz que prefere reservar tudo ainda para o procedimento jurídico.
“Decidi ainda manter o processo por via da justiça, sem avançar com nenhuma declaração à imprensa”, explicou o advogado, na sua curta conversa com o repórter por via telefone.
O deputado da bancada parlamentar do PAIGC eleito no círculo 29, Malam Fati, contactado pelo repórter, explicou que acompanha o processo desde o primeiro momento em que o tribunal ordenou o despejo dos ocupantes do terreno reivindicado por Mamadu Saido Djaló.
Fati assegurou que sempre aconselhou os moradores em apostarem na resolução do referido litígio por via judicial, pelo que decidiram constituir um advogado, que segundo ele, foi-lhe igualmente apresentado pelos moradores.
“O primeiro advogado que constituímos foi Doutor Tcherno Djaló, vulgo Ché, que, numa das reuniões que mantivemos, pediu-nos que precisava requisitar o processo para melhor compreendê-lo. Infelizmente não sabemos o que aconteceu depois, mas ele acabou por deixar o processo, nem sequer nos contactou. Até recusa atender os nossos telefonemas”, notou.
Avançou neste particular que continuarão a seguir o processo e dar todo o apoio que os moradores estão a precisar para resolver o litígio no fórum judicial.
SOLA N’QUILIM AVISA QUE CONSTRUÇÕES DE GABUZINHO SÃO CLANDESTINAS
O ministro da Administração Territorial, Sola N’Quilim Na Bitchita, avisou que a zona periférica de Bissau denominada Gabuzinho não está urbanizada e consequentemente todas as construções realizadas são clandestinas.
Segundo o governante, pedidos de legalização de terrenos deram entrada na Câmara Municipal de Bissau, mas todos esses pedidos aguardam pela definição do plano urbanístico daquela zona.
Sola N’Quilim Na Bitchita falava à imprensa depois de ter efetuado uma visita a populares em Gabuzinho, vítimas de despejo por parte da Polícia da Ordem Pública (POP) em cumprimento de um despacho do Tribunal Regional de Bissau.
Por: Assana Sambú
Foto: Marcelo Ncanha Na Ritche