Sobre a crise a política na Guiné-Bissau, a Rádio Jovem entrevistou, nesta terça-feira, dia 16, o candidato às presidenciais de 2019, Fernando Casimiro.
QUESTIONÁRIOS
1 – Fernando Casimiro a demissão do Primeiro-ministro, Umaro Sissoco Embaló é o fim desta crise política que assola o país há cerca de três anos ou é o prenúncio de uma nova etapa da crise?
FC – O pedido de demissão do ainda Primeiro-ministro Umaro Sissoco Embaló, já está a ser demonstrativo de não ser sinónimo do fim da crise política guineense, antes mesmo da sua aceitação/validação pelo Presidente da República e das suas eventuais consequências político-institucionais, sociais e até económicas, no imediato.
A crise não assenta propriamente num nome, num cargo político ou governativo, mas sim, numa disputa de interesses de grupos de poder, por isso, com a demissão ou manutenção do actual Primeiro-ministro, continuaremos a lidar com a crise política e social na Guiné-Bissau.
Qualquer que seja a decisão do Presidente da República face à demissão ou à manutenção de Umaro Sissoco haverá aprovação ou rejeição das partes em disputa, na qual se inclui o próprio Presidente da República, que não assumindo sentido de Estado, no seu papel de garante da Constituição, promoveu a violação da nossa Constituição ao propor de forma inconstitucional a nomeação de um Primeiro-ministro de “consenso e da sua confiança”, acabando por ficar acorrentado e refém de uma das partes da crise.
Se nos focarmos na argumentação do próprio Presidente da República aquando da nomeação de Umaro Sissoco Embaló para o cargo de Primeiro-ministro, e alegadamente, por via do Acordo de Conacri, ainda que não fosse o tal nome de consenso entre 3 nomes apresentados para escolha como Primeiro-ministro de sua “confiança”, ele, Presidente da República, ao auscultar os Partidos teria concluído que uma nova maioria parlamentar composta pelo segundo partido mais votado, numa “aliança” com os 15 deputados expulsos pelo partido mais votado do seu grupo parlamentar, dava-lhe garantias de estabilidade governativa, sustentando a nomeação de Umaro Sissoco Embaló como Primeiro-ministro.
Porém, se na verdade essa nomeação se reflectisse no Acordo de Conacri e à luz do seu ponto nº1, não faria sentido que o Presidente da República considerasse o argumento de uma nova maioria parlamentar, pois o ponto Nº1 do Acordo de Conacri estabelece, explicitamente que “ O Primeiro-ministro deverá exercer funções até às eleições legislativas de 2018”, ou seja, implicitamente, não estaria o seu cargo em causa e, consequentemente, o Governo que viesse a ser criado e nomeado à luz do mesmo Acordo de Conacri nem sequer teria que ver o seu Programa aprovado na Assembleia Nacional Popular.
2 – Tendo em conta o cenário político vigente, de extremar de posições das partes envolvidas na crise. O Presidente da República deve aceitar a demissão ou renegociar as condições que permitam Sissoco continuar no cargo?
FC – O Presidente da República, como disse, está refém de uma das partes da crise, numa relação que o próprio está ciente de que não pode forçar nenhuma ruptura por forma a não perder todos os apoios que teve até aqui quer através do segundo partido mais votado, quer do grupo dos 15 deputados expulsos do grupo parlamentar do partido mais votado nas legislativas de 2014.
Seja no que resultar o pedido de demissão de Umaro Sissoco Embaló, não será uma decisão livre e consciente do Presidente da República, mas sim, uma imposição do grupo de interesses da parte da crise com a qual está conotado, por isso, entre aceitar o pedido e a consequente demissão do próprio governo, ou renegociar a demissão para que o mesmo continue no cargo, tanto faz, na óptica dos interessados, desde que os seus interesses adquiridos na presente crise continuem a ser salvaguardados até final da legislatura.
3 – A demissão de Sissoco é uma oportunidade que o Presidente deve aproveitar para cumprir o acordo de Conacri, a luz do desejo dos libertadores (PAIGC), nomeando Augusto Olivais?
FC – Não acredito que o Presidente da República “ouse” desafiar os interesses estabelecidos e em causa, com a parte da crise da qual está acorrentado, quiçá, é refém, por isso, mesmo que de forma estratégica a demissão de Umaro Sissoco Embaló se vier a concretizar, os interesses da parte da crise da qual faz parte o Presidente da República serão salvaguardados, com a indicação e nomeação de um novo Primeiro-ministro que lhes garanta benefícios do poder até que haja novas eleições legislativas.
Isto significa que o Presidente da República em função da sua relação com a parte da crise com que está conotada desvalorizaria sempre a opção “Augusto Olivais” num hipotético cenário de viabilização do Acordo de Conacri.
4 – Fala-se que o José Mário Vaz tem ainda alternativas neste momento, entre as quais, a dissolução do parlamento. Acha que essa é a solução viável?
FC – A dissolução da Assembleia Nacional é a opção constitucional (diria, de ruptura, para acabar com uma grave e persistente crise numa legislatura) numa situação efectiva de grave crise política, que é o caso da crise política na Guiné-Bissau, e tal como consta na alínea a) do Artigo 69º da Constituição da República da Guiné-Bissau.
5 – Alguns analistas políticos vão ainda mais longe, ou seja, defendem a renúncia do próprio José Mário Vaz do seu cargo de Presidente da República da Guiné-Bissau. Concorda que JOMAV deve renunciar e se há condições políticas e sociais que permitam que ele renuncie?
FC – São opiniões que espelham uma sensibilidade analítica crítica positiva e que ajudam a reflectir e a debater cenários da nossa persistente crise política, por isso, temos que respeitar todos os pontos de vista, mesmo quando discordamos.
Na minha modesta opinião, não vejo necessidade de se pressionar o Presidente da República a renunciar ao cargo. Ele foi eleito, tem um mandato, deixemo-lo chegar ao fim do seu mandato, para que nas próximas eleições presidenciais o povo eleitor faça o julgamento d a sua prestação no actual mandato.
Politicamente não teria vantagens, pois a interinidade do cargo de Presidente da República é assumido, segundo a Constituição da República, no seu Artigo 71º, Nº 2 pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular, ou, no impedimento deste, pelo seu substituto, sendo o novo Presidente da República eleito 60 dias depois Nº 3 do mesmo Artigo.
Se pressionamos o Presidente da República a renunciar, face ao seu papel na crise, certamente não devemos ignorar, igualmente o papel do Presidente da Assembleia Nacional nesta crise, ou de um seu potencial substituto, porquanto, “todos diferentes, todos iguais” na promoção e manutenção da crise política e social guineense.
Se houvesse agora uma renúncia do actual Presidente da República, o país não teria novos valores enquanto potenciais candidatos, para, num prazo de 60 dias, se prepararem a fim de concorrerem a uma hipotética eleição presidencial antecipada. Teríamos, sim, os mesmos candidatos de sempre, apoiados pelos mesmos partidos de sempre, o que não seria positivo para uma Mudança do “Sistema” obsoleto na qual está alicerçado o dirigismo político guineense desde há 44 anos.
Socialmente, face à divisão social consequente da crise política, teríamos ainda mais divisão, mais tensão e confrontação.
A renúncia do Presidente da República deve ser por livre iniciativa, atendendo razões pessoais; ou quando muito, por força de mecanismos constitucionais e legais, que influenciem de forma induzida a sua renúncia ou à sua destituição, através de um processo judicial por crimes cometidos no exercício das suas funções de Presidente da República.
Não vejo o Presidente da República renunciar ao cargo apenas por via das críticas que lhe são feitas, pois tem dado a entender, há bastante tempo, estar a preparar a sua recandidatura, inclusive, com uma permanente “campanha eleitoral”. Sabe perfeitamente, julgo eu, o que estabelece o Artigo 66º da Constituição da República, no seu número 3 “Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não poderá candidatar-se às eleições imediatas, nem às que sejam realizadas no quinquénio imediatamente subsequente à renúncia.”
O que tem a dizer sobre alegado regresso de Carlos Gomes Júnior na próxima quinta-feira?
FC – Creio que os guineenses estão em sintonia em como todo o filho da terra tem o direito de viver no seu país, entre ausentar e regressar, sempre que assim o entender, sem ter que justificar a saída e o regresso.
Também começa a merecer dos guineenses a exigência da garantia da segurança e consequentemente, da vida humana no nosso país, por parte do Estado, da mesma forma que se exige a esse mesmo Estado a afirmação da Justiça na aplicação das Leis para que se acabe com a impunidade e todos os que merecerem ser investigados, julgados e penalizados por crimes de sangue ou corrupção, lesivos ao Estado e às famílias guineenses, tenham o direito de se defenderem ou de serem condenados pela Justiça institucional, evitando dessa forma a (in) justiça pelas próprias mãos.