domingo, 23 de novembro de 2014

GUINÉ-BISSAU E BURKINA FASO: A APRENDIZAGEM INTERNACIONAL

Fernando-Vaz
Fonte: odemocratagb.com
 
O Golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 na Guiné-Bissau foi um processo que fez correr muita tinta e desencadeou por parte das instâncias internacionais uma célere e violenta condenação. Uma grande parte dessas tomadas de posições até provinham de alguns que, noutras situações tão ou mais graves também ocorridas no meu país e muitas delas na vigência de mandatos democraticamente eleitos, como por exemplo o assassinato de um Presidente da República, Nino Veira, optaram por uma estranha brandura ou um silêncio cúmplice.
 
Fui um dos intervenientes no processo que seguiu ao citado golpe de Estado com o objectivo claro e publicamente assumido de evitar o agravamento de tensões e o desencadear de um novo conflito armado entre compatriotas.
 
Na sequência desse golpe constituímos um fórum de partidos e de elementos da sociedade civil, que procurámos desde logo alargar ao partido que detinha o poder e o qual fora arredado pela ruptura constitucional desencadeada pelos militares. Uma das primeiras prioridades desse fórum que assumiu a mediação com os militares, foi o regresso à ordem constitucional no mais curto prazo de tempo e o assegurar das condições de pacifícação entre os irmãos guineenses, tanto civis como militares, evitando assim revanchismos e vinganças políticas. Nesse sentido foi constituído um governo de transição e designado um Presidente da República de Transição, cuja escolha recaiu sobre o então Presidente Interino da Assembleia Nacional Popular, como reza a nossa Constituição.
 
Este processo e esta metodologia que liderámos, se bem que tivesse evitado confrontos bélicos entre os guineenses, não deixou de ser duramente criticada nos areópagos internacionais, nomeadamente e com particular dureza no seio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Organização das Nações Unidas (ONU) e União Europeia (EU) cujas tomadas de posição mereceram da nossa parte justos reparos na proporção directa em que as mesmas reflectiam somente o desconhecimento e a incompetente análise da realidade no meu País, e uma irracionalidade demonstrativa da total falta de compreensão sobre os problemas do povo da Guiné-Bissau.
 
Nesse difícil momento para a nossa Pátria, somente uma organização, a CEDEAO (Communauté Economique des Etats de l’Afrique de l’Ouest) que integra 15 países da sub-região nos acompanhou no processo de transição, embora tenha igualmente condenado com veemência o golpe de Estado, assumiu o importante papel de mediador que, em nosso entender, deveria ter sido assumido por outros países irmãos, nomeadamente Portugal pela proximidade histórica, cultural e afectiva, mas o seguidismo do Governo português a interesses alheios aos dois povos irmãos levou à auto-exclusão de Portugal desse importante papel. Esta posição da CEDEAO permitiu-nos alguma margem de manobra e garantiu a estabilidade civil e militar na Guiné-Bissau, resultado do conhecimento que essa organização possui dos problemas da sub-região, mas paradoxalmente também foi duramente criticada pelas organizações citadas que apenas queriam impôr o regresso a uma situação anterior ao golpe militar, ignorando que esse irrealista objectivo seria conducente a graves e sangrentas confrontações fratricidas.
 
O exemplar processo de transição que encetámos com apoio da CEDEAO e conduzido por todas as forças civis do nosso país, inclusivamente numa fase posterior integrando o partido que fora arredado do poder pelo golpe militar, se bem que na altura injustificadamente criticado, sem nenhum apoio ou reconhecimento, serviu para que as mesmas organizações tivessem retirado as necessárias ilações e serviram de aprendizagem aos que na altura julgavam que somente a aplicação de duras sanções, como as que nos foram impostas eram a solução e tenham, ao fim de dois anos e meio, adquirido um novo posicionamento sobre as realidades da sub-região. E a justificar esta nova realidade compare-se os posicionamentos da Comunidade Internacional (CI) perante a Guiné-Bissau e agora no caso do Burkina Faso após a deposição de Blaise Campaoré.
 
CASO DA GUINÉ-BISSAU
 
A condenação do golpe foi generalizada e nos dias seguintes destacaram-se pela violência as condenações da CPLP, EU, UA e ONU, exigindo todas o retorno imediato e incondicional à ordem constitucional e a aplicação de sanções, tendo inclusivamente o Conselho de Segurança da ONU adoptado uma resolução exigindo o afastamento do Comando Militar que desencadeou o golpe e anexado uma lista nominal dos militares sobre os quais recaíram sanções.
 
A CEDEAO condenou igualmente o golpe no entanto, rapidamente iniciou contactos com os militares golpistas a fim de encontrar uma solução negociada ou seja, contrária às posições cegas da CPLP, EU, ONU e UA, a CEDEAO apresenta como solução a mediação entre as partes para se encontrarem as modalidades para uma transição consensual. A este realista posicionamento e ao Governo de Transição que resultou desta atitude, devem os guineenses terem conseguido eleger em paz uma nova Assembleia Nacional Popular e um novo Presidente da República e o retorno pacífico à ordem constitucional.
 
Ao contrário a CPLP, a EU e a UA, numa manifesta prova de total desnorte político chegaram a pedir a extensão das sanções aos elementos civis que corajosamente e perante a incompreensão quase generalizada assumiram o processo de transição e integraram o governo e a Presidência da República da Guiné-Bissau. Há dois anos e meio esta corajosa e patriótica atitude foi considerada por aquelas organizações um crime e hoje, perante realidades semelhantes noutro país da sub-região, constitui uma solução ideal. Onde está a coerência dos “grandes mestres” da política internacional?
 
CASO DE BURKINA FASO
 
Os mediadores internacionais em Burkina Faso, em plena crise política após a queda há pouco mais de uma semana do presidente Blaise Campaoré pediram a adopção de um regime de transição liderado por um civil.
 
“Queremos evitar a aplicação de sanções a Burkina Faso” declarou o enviado da ONU para a África Ocidental, Mohamed Ibn Chambas numa entrevista colectiva que concedeu em nome da missão formada pela ONU, a UA e a CEDEAO.
 
O exército nomeou o tenente-coronel Isaac Zida para dirigir a transição em nome dos militares, contrariamente ao que tinha acontecido na Guiné-Bissau aonde os militares declararam não pretender o poder, quando de acordo com a Constituição do Burkina o presidente da Assembleia Nacional é a pessoa que deve assumir o poder interino.
 
Pessoalmente como ex-ministro de Estado, da Presidência e dos Assuntos Parlamentares e porta-voz do governo de transição, fico ciente que apesar das críticas, os mesmos que duramente o fizeram, vieram posteriormente dar-nos inteira razão. Tenho a consciência que fizemos e escolhemos no momento certo o que foi melhor para o nosso país e que hoje a nossa acção serviu de exemplo para o Mundo e a prová-lo está a reviravolta e a aprendizagem dos mesmos que há dois anos e meio quase colocaram a nossa cabeça a prémio e agora seguem a nossa metodologia de transição.
 
Não vale a pena tecer mais comentários pois o reposicionamento da Comunidade Internacional e a aprendizagem obtida com o caso da Guiné-Bissau é demonstrativo que o mais lógico e consensual é o que serve melhor os interesses das populações e dessas Nações tendo como objectivo último o garante da Paz e da estabilidade civil e militar.
 
Espero que todos aqueles países que mais fervorosamente instigaram a guerra, a desunião e a vingança entre os Guineenses, (Portugal, Angola e Cabo-Verde) retirem agora as devidas ilações e deixem de defender e apoiar soluções de instabilidade e de desmando no meu País.
 
Fernando Vaz
Ex-Ministro de Estado
 
Bravo Dr. Fernando Vaz!