quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DOMINGOS SIMÕES PEREIRA FALOU COM EXCLUSIVIDADE À RÁDIO ONU SOBRE A SUA VIAGEM ÀS NAÇÕES UNIDAS.


Leia a transcrição da entrevista na íntegra.

(Oiça Aqui)
Rádio ONU: Qual é a sua mensagem para o Conselho de Segurança da ONU?

Domingos Simões Pereira: Nós vimos a Nova Iorque desta vez com três expectativas sobre a nossa participação no Conselho de Segurança, no Grupo de Contacto para a Guiné-Bissau, mas também da nossa participação na Comissão de Consolidação da Paz para a Guiné-Bissau. Em relação ao Conselho de Seguranças, nós vimos aproveitar esta oportunidade para, ao celebrar o regresso da Guiné-Bissau a este concerto das nações, agradecer todo o esforço que as Nações Unidas têm mobilizado porque durante o longo período de instabilidade que o nosso país viveu, as Nações Unidas tiveram a Guiné-Bissau na sua agenda e desenvolveram esforços no sentido de nos apoiar para o retorno à ordem constitucional.

Portanto, em nome do Governo, mas certamente do Presidente da República e de todo o povo guineense, eu venho apresentar estes agradecimentos. Mas também venho dar o nosso sentimento, partilhar da nossa visão sobre a Missão da Uniogbis, que pensamos que continua a ser relevante, e portanto, importante manter-se na Guiné-Bissau.

Achamos que todo o esforço internacional de parceria com a Guiné-Bissau deve contar com a coordenação da Uniognis. Achamos que as Nações Unidas são a entidade melhor posicionada e vocacionada para garantir esta coordenação sem diminuir a importância de cada um dos outros atores internacionais tanto multilaterais como bilaterais.

Mas desta vez, queremos também chamar a atenção por duas situações muito concretas. Primeiro: já se fazem sentir de forma muito direta as alterações climáticas no nosso país. Este ano, a chuva, a pluviometria foi muito baixa e a sua distribuição vai prejudicar, de forma bastante acentuada, a produção agrícola. Não só em relação ao nível das águas do mar que alargaram parte importante da zona de produção do arroz, como também em relação às próprias culturas, que são tradicionais no país, que perante à escassez tiveram dificuldade em se desenvolver. Nós vamos que ter que estar atentos a eventudalidades de surgimento de escassez de alimentos. E isso é uma atenção que temos que trazer ao Conselho de Segurança. Por outro lado, a questão da prevenção do ébola. Nós temos feito um trabalho bastante sério, bastante dedicado, mas nós não podemos iludir a fragilidade das nossas instituições sanitárias e portanto quando instâncias internacionais nos apelam no sentido de não restringir a circulação de pessoas sobretudo nos espaços transfronteiriços, nós esperamos que as medidas não fiquem por aí e que haja mecanismos de acompanhamento para garantir que não se aumentem os níveis de contaminação.

RO: Estamos a falar num momento em que uma missão da OMS está no país a avaliar o nível de preparação da Guiné-Bissau para um eventual surto. Como é que acha que o seu país está preparado para encarar esta situação?

DSP: Nós avaliamos positivamente o trabalho que temos feito e esta missão da OMS.  Mas nós continuamos a achar que todo o nosso empenho, toda a nossa dedicação tem que ser colocada para evitar a entrada do surto.  Nós não podemos esperar que de um dia para o outro, a nossa capacidade de resposta a uma situação desta melhore exponencialmente. Temos que continuar a priorizar ou evitar a entrada do ébola. Por isso é que eu digo que perante a indicação da Cedeao de que nós devemos levantar quaisquer restrições à circulação de pessoas aos espaços transfronteiriços, nós vamos continuar a trabalhar no sentido de acompanhar estas medidas, mas nós esperamos que se encontrem outros mecanismos complementares para evitar um aumento de exposição.

RO: Alguma situação ou proposta em vista?

DSP: Repare, a nossa fronteira sul é uma fronteira muito permeável porque é utilizada de todas as formas, há muitos pedestres que fazem esta travessia. Por isso, nós pensamos que temos vindo a fazer um controle bastante restrito. E todos aqueles que atravessam para a nossa fronteira são sujeitos a uma quarentena. Se nós levantarmos esta quarentena, esperamos ter a capacidade de, no momento desta travessia, estarmos melhor equipados para fazer este rastreio porque não podemos correr o risco de não acompanhar esta situação.

RO: Primeiro-ministro, a situação da consolidação política foi a que mais debates levantou no Conselho de Segurança em relação à Guiné-Bissau. Como é que está?

Continua a ser uma preocupação para o governo do país?

DSP: Com certeza.  A consolidação da estabilidade política é um desafio que nós temos que enfrentar permanentemente e esperamos ser capazes realmente de ganhar. Eu penso que a principal alteração que se tem vindo a registar é que, de forma crescente, os guineenses compreendem e assumem que vamos conseguir de facto estes resultados, dependendo de nossa capacidade interna de produzir compromissos e trabalharmos juntos. Eu registo, compreendo e até respeito a posição daqueles que criticam o facto de nós nos termos aproximado da oposição, termos feito um governo de inclusão, de termos continuado a negociar com todos mesmo tendo uma maioria absoluta. A minha resposta é de que mais do que a legitimidade que o voto me deu, o que o povo guineense espera é que sejamos capaz de produzir a paz e a estabilidade.

RO: E este diálogo nacional, como está?

DSP: Este diálogo nacional está a acontecer. Estamos a falar com os partidos da oposição, mas eu vou trazer sobretudo à Comissão de Consolidação da Paz um pedido muito concreto porque é preciso reforçar as instituições da soberania do país para que este diálogo tenha maior qualidade. E por outro lado, pensamos que é fundamental compreender que o diálogo não depende, exclusivamente, da boa vontade. É preciso que seja estruturado por entidades vocacionadas, competentes, mas sobretudo por entidades neutrais ao processo. Se uma entidade política interessada no processo seja quem conduz o processo, provavelmente por mais neutral que queira ser, terá dificuldades em mobilizar a compreensão desta neutralidade pelo outro lado.

RO:  Tem uma proposta concreta para fortalecimento destas instituições na Guiné-Bissau? É algo novo ou vai seguir o roteiro já previsto?

DSP: Não. Eu tenho dito isso. E penso que sou coerente neste aspecto. Infelizmente, nos nossos países quando algo vai mal, nós não exploramos a nossa capacidade de melhorar o diálogo. Nós vamos logo encontrar outras razões, dizer que o nosso sistema é que não funciona. Parece que estamos à procura de um sistema político tão perfeito que possa nos dispensar do diálogo e do estabelecimento de compromissos. Eu penso que é isso, que o reforço da capacidade deverá permitir de facto que todos nós possamos compreender.  Nós somos homens e sendo homens vamos continuar a cometer erros. O que se espera de nós é que sendo políticos, sejamos capazes de dialogar. E nesse diálogo criar consensos para que a paz interna, a tranquilidade e o funcionamento das instituições da República sejam realmente salvaguardadas independentemente das nossas diferenças.

RO: Primeiro-ministro, qual é o impacto de uma medida que tomou há pouco para a reforma de cerca de 2 mil militares. Que impacto espera que venha a ter em seu país e na região?

DSP: Na verdade o que eu fiz foi dar o aval, o Conselho de Ministros deu o aval para a constituição de uma comissão que irá analisar ao pormenor esta lista. Esta lista foi feita, e nós instruímos a ministra da Defesa e de toda a sua equipa a fazer um trabalho de auscultação de todas as pessoas incluídas e aquelas que teriam alguma opinião sobre a forma como esta lista foi constituída. E a nossa conclusão é de que terá faltado aqui ou ali, alguma divulgação, alguma compreensão. O que nós não queremos é que alguém seja apanhado desprevenido na adesão ou  não que esteja a fazer em relação a isso. Nós queremos que, rapidamente, possamos ter de facto esta lista, mas uma lista consolidada que não seja de surpresa para ninguém e que possa promoter realmente reduzir substancialmente os efetivos sobretudo aqueles que, ou por razão de idade, ou porque não têm mais condições de continuar nas Forças Armadas, ou porque voluntariamente pretende aproveitar esta oportunidade de reforma antecipada.

RO: Quais são os aspectos mais sensíveis desta reforma do setor da Defesa pelo menos depois de ter assumido o cargo?

DSP: Não. Sempre se falou que um dos graves problemas das nossas Forças Armadas é porque há uma presença acentuada de uma das etnias. O que nós dizemos é que isso de facto isso é um assunto sensível. É um assunto sensível porque a sua presença maioritária nas Forças Armadas não é recente, já vem da luta de libertação nacional. Nós é que não temos capacidade de compreender isso e de articular. E a minha abordagem é afastar-me um bocado da questão tradicionalmente colocada e pensar nos dependentes dessas pessoas.  Preocupa-me mais pensar que o antigo combatente, o militar possa não estar a dar as condições necessárias para que a sua mulher, o seu filho possam ter condições de competir no mercado de trabalho porque aí estamos a perpetuar uma situação de dependência. E por isso, o militar que nós estamos a propor ir à reforma, muitas vezes não está tão preocupado com a vida dele quanto está preocupado com a vida de seus dependentes. Por isso, nós esperamos que o programa de reforma que estamos a propor, possa também ter em conta o enquadramento e a reinserção daqueles familiares que precisam realmente criar os instrumentos para que enfrentem o mercado de trabalho com confiança e sabendo que o amanhã será bastante melhor do que aquilo que têm hoje.

RO: Como está o relacionamento com a Cplp. Como está o vínculo com os países do bloco?

DSP: Eu penso que estamos a fazer um bom trabalho. Eu sou um cidadão da Cplp e não tenho qualquer tipo de reservas em relação a isso. Eu sempre digo que a minha pertença ao espaço regional, nesta caso à Cedeao e outros não podem impedir nem condicionar a minha pertença a outro espaço. Eu falo o português, não falo outras línguas e portanto assumo como homem livre para de facto desenvolver todas as parcerias que sejam positivas para o meu país. E é nessa perspectiva que eu tenho, por um lado, fortalecido a nossa presença. Nós não podemos ter vergonha de pertecer aos espaços a que de facto pertencemos. Não podemos ter nem vergonha, nem medo, portanto nós temos feito este trabalho de consolidação da nossa presença na Cplp, participamos na Cimeira de Díli e pedimos a todos os Estados-membros da Cplp para que sejam advogados da Guiné-Bissau. Na melhoria, não só da nossa visibilidade como das condições para o desenvolvimento. Agora, ao mesmo tempo que dizemos isso, também afirmamos que não é contraditório com a nossa pertença ao espaço regional. Por isso, eu tenho mantido um contacto permanente com as instâncias da Cedeao, da Uemoa, porque considero que a Cplp possa nos ajudar a tirar um proveito maior da nossa pertença ao espaço regional portanto eu considero que a nossa presença na Cplp tem sido bastante positiva e frutífera.

RO: Como está a relação com Angola que acolhe vários guineenses neste momento?

DSP: Repare. Angola é um país irmão. O nosso relacionamento e irmandade, se assim posso afirmar, tem história de décadas. O que há de novo nisso é que a presença de cidadãos guineenses em Angola aumentou de forma bastante, quase exponencial, diria eu, e portanto é preciso ter o enquadramento. Há bases políticas para nós podermos trabalhar. É preciso é transformar estas bases políticas em espaços de integração que sejam positivos para estes cidadãos. Eu imagino que os acontecimentos de 12 de abril e toda a dificuldade de relacionamento que daí adveio terá dificultado este processo. Mas eu penso que estamos num mecanismo de retoma da normalidade.  Eu tenho a intenção e penso, julgo saber que há um convite que chegou do Governo de Angola para visitar Angola nos primeiros dias do mês de dezembro. Estou seguro que iremos revisitar todas estas questões e juntos iremos criar as condições para que, de um lado e de outro, possamos renovar o nosso sentimento de irmandade e proximidade. Oiça Aqui