domingo, 20 de março de 2016

SANDERS CRITICA IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO NA AMÉRICA LATINA

Carta Maior, Deirdre Fulton, Common Dreams 
 
'A questão chave aqui é: os Estados Unidos deveria andar por aí depondo governos de países da América Latina?" perguntou Bernie Sanders
 
O histórico intervencionista de Hillary Clinton na América Latina está sendo questionado depois do debate presidencial Democrata de quarta-feira, no qual ela e seu rival, Bernie Sanders, discutiram sobre o papel dos EUA na região.

Quando perguntado sobre o apoio dado para os líderes latino-americanos Daniel Ortega na Nicarágua e Fidel Castro em Cuba, e para explicar “a diferença entre o socialismo que professa e o socialismo na Nicarágua, Cuba e Venezuela,” Sanders declarou:

Aquilo foi sobre dizer que os Estados Unidos estava errado em tentar invadir Cuba, que os Estados Unidos estava errado em tentar apoiar pessoas para depor o governo da Nicarágua, que os Estados Unidos estava errado em tentar depor, em 1954, o governo democraticamente eleito da Guatemala.
 
Ao longo da história da nossa relação com a América Latina, operamos sob a tal Doutrina Monroe, e isso dizia que os Estados Unidos tinham o direito de fazer o que quisesse na América Latina. Então eu fui até a Nicarágua e me opus aos esforços da administração Reagan em depor o governo. E eu me opus fortemente a Henry Kissinger que propunha depor o governo de Salvador Allende no Chile.

Eu acho que os Estados Unidos deveriam estar trabalhando com os governos ao redor do mundo, e não se envolver em alternâncias de regime. E todas essas ações na América Latina estimularam fortes sentimentos contra os Estados Unidos.

[...] A questão chave aqui é se os Estados Unidos deveria andar por aí depondo governos de pequenos países da América Latina.

Clinton, por outro lado, “estava em seu melhor estado reacionário, expressando desprezo pela situação de Cuba e se recusando a reconhecer seu apoio a políticas que geraram discordância no hemisfério,” de acordo com uma análise da TeleSUR.


Para a ex-secretária de Estado, a questão chave foi o antigo apoio de Sanders a revoluções políticas na América Latina. “Eu só quero adicionar mais uma coisa a pergunta que o senhor estava fazendo Senador Sanders,” ela disse. “Eu acho que naquela mesma entrevista, ele valorou o que chamou de revolução de valores em Cuba e falou sobre como as pessoas estavam trabalhando para o bem geral, não para elas mesmas.”

“Eu não poderia discordar mais,” continuou Clinton. “Você sabe, se os valores abrangem oprimir pessoas, sumir com pessoas, prendê-las ou até matá-las por expressarem suas opiniões, por expressarem a liberdade de expressão, esse não é o tipo de revolução de valores que eu quero ver seja em qualquer lugar.”

Escrevendo no The Intercept, na quinta-feira, Glenn Greenwald explorou a fundo os ataques cínicos de Clinton.

“Vamos fingir, pelo bem do argumento, que o horror expresso por Clinton e seus apoiadores sobre as posições de Sanders na América Latina de 1980 foi impulsionado por algum tipo de espanto autêntico sobre valorizar tiranos e violadores dos direitos humanos, ao invés de uma tática cínica para rebaixar Sanders usando narrativa da direita,” escreveu Greenwald. “Hillary Clinton é uma pessoa com crédito para condenar apoio a déspotas e violadores dos direitos humanos?”

A resposta, ele diz, é não – e fornece exemplos do seu apoio mais recente “a um dos piores déspotas e criminosos de guerra do mundo” como evidência.

Avaliemos o golpe de 2009 em Honduras, por exemplo. Como apontou, em 2014, Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Pesquisas em Economia e Políticas, Clinton admitiu “que usou do poder do seu gabinete para assegurar que [o presidente hondurenho Manuel] Zelaya não retornasse ao posto.”

Clinton escreveu em sua análise da Ordem Mundial de Henry Kissinger: “nos dias subseqüentes [depois do golpe] eu conversei com governantes ao redor do hemisfério, incluindo a secretária [Patrícia] Espinosa no México. Nós montamos um plano para restaurar a ordem em Honduras e assegurar que eleições livres e justas fossem feitas rápida e legitimamente, o que iria dispensar a controvérsia de Zelaya.”
No entanto, Weisbrot escreveu na época:

A questão sobre Zelaya era qualquer coisa menos controversa. Líderes latino-americanos, a Assembléia Geral da ONU e outras organizações internacionais veementemente demandaram seu retorno imediato ao posto. A posição desafiadora e anti-democrática de Clinton armou o desmoronamento das relações dos EUA com diversos países latino-americanos, o que continuou. Erodiu as boas vindas e o benefício da dúvida que mesmo os governos de esquerda da região haviam oferecido à recém instalada administração Obama alguns meses antes.


Somando-se à ousada confissão de Clinton e ao abraço da narrativa da extrema direita no episódio de Honduras, Sua fala sobre a América Latina é consideravelmente à direita até mesmo para seu histórico na região como secretária de Estado. Isso parece ser um cálculo político. Há pouco risco de perder votos por admitir seu papel em deixar a maioria dos governos do hemisfério enojada com os EUA. No outro lado da equação, estão grupos de interesses e dinheiro de campanha a ser levantado pelo lobby de direita latino-americano, incluindo os cubanos-norte-americanos da Flórida e seus eventos políticos de arrecadação.
Como o embargo falho de 54 anos contra Cuba, a posição de Clinton sobre a América Latina na sua corrida pela presidência é outro exemplo de como a extrema direita exorta uma influência desproporcional na política estrangeira dos EUA no hemisfério.

É uma posição que ainda está gerando repercussão. Semana passada, nas vésperas do assassinato da ativista hondurenha Berta Cáceres, Greg Grandin do The Nation, escreveu que Cáceres “dedicou sua vida” para lutar contra o “governo de unidade” que Clinton ajudou a institucionalizar.

Zelaya, mesmo imperfeito, “apoiou movimentos rurais, civis e indígenas, como o que Cáceres liderava, na luta contra a desapropriação de terras, mineração e combustíveis fóssil,” disse Grandin. “Desde a destituição de Zelaya, tem havido verdadeiros ataques a essas pessoas decentes – torturas, assassinatos, militarização do campo, leis repressivas, como o banimento da pílula do dia seguinte, o surgimento de forças paramilitares, e a venda deliberada da terra e dos recursos do país à transnacionais.”

“Estou tentado finalizar esse post com um aviso aos eleitores e eleitoras de Bernie Sanders para responsabilizarem Clinton e perguntarem, quando possível, na Prefeituras e em encontros, se ela já conheceu Cáceres, ou se ela ainda está orgulhosa do inferno que ajudou a inserir na rotina dos hondurenhos,” concluiu Grandin. “Mas, sério, o assassinato de Cáceres não deveria ser reduzido a políticas eleitorais.” No lugar, ele escreveu, “todas as pessoas de bom caráter deveriam fazer essas perguntas a Clinton.”

Como a artista hondurenha feminista Melissa Cardoza recentemente disse à TeleSUR, as políticas de Clinton na América Central “mostraram sua face verdadeira como um instrumento do império representando uma ideologia patriarcal e não feminista.”


“Como já é bem sabido, ela apoiou o golpe no meu país, o qual afundou uma terra muito valorosa e ensangüentada em mais pobreza, violência e militarismo,” disse Cardoza sobre o legado de Clinton em Honduras. “Ela é parte daqueles que consideram apenas algumas vidas legítimas, obviamente não as das mulheres negras e rebeldes que moram aqui e que não se encaixam nos interesses do império.”