Ernesto Dabó é um poeta, intelectual, cantor e compositor e uma voz crítica em relação ao actual estado das coisas na Guiné-Bissau. O autor é convidado do Festival Literário de Macau – Rota das Letras e vai falar hoje no Edifício do Antigo Tribunal sobre a evolução e as perspectivas da literatura guineense.
Ponto final, Cláudia Aranda |Foto: Eduardo Martins
Ernesto Dabó é formado em agricultura e direito. Entre 1975 e 2010 foi quadro da administração pública guineense. Em paralelo, desenvolveu uma carreira como cantor, compositor, percussionista, escritor, poeta e intelectual. Fez parte de um movimento artístico-cultural que deu origem ao agrupamento musical “Cobiana Djazz”, no final da década de 1960, precursor na Guiné-Bissau de um género de música de intervenção. Nascido em 1949, na ilha de Bolama, a 18 de Julho – data de nascimento do líder sul-africano Nelson Mandela, como faz questão de lembrar – Dabó admite ter tido sorte com o contexto familiar e social em que cresceu. O escritor escreve regularmente em blogues e meios de comunicação social guineenses e estrangeiros, tem família ligada à imprensa. A sua irmã e cunhado são proprietários de um jornal estabelecido em Bissau: a Gazeta de Notícias. O autor tem já uma colecção de crónicas que tenciona publicar em breve. São textos essencialmente críticos, que abordam a situação do seu país.
– PONTO FINAL – Qual é a sua faceta mais forte? A de poeta ou a de músico?
Ernesto Dabó – Sou um amante da cultura, um activista cultural. Nesse sentido as actividades culturais dominantes no meu dia-a-dia são a música e a literatura. Inicialmente projectei-me como músico, na juventude fiz música. A música foi algo que sempre respeitei muito. Mas, não a exerci como actividade principal. Agora, como homem ligado à literatura, desde muito jovem que escrevo. Acontece que publicar livros no meu país é um combate bem complicado e, depois, com as turbulências que o país foi conhecendo…Pensei em meados da década de 1990 em preparar a publicação das coisas que vinha escrevendo, mas então não é que tivemos o azar de ter a guerra civil de 1998? E eu vivo num bairro chamado “Bairro Militar”, mas que não tem nada de militarista: é um bom bairro, de gente pacífica como eu. Mas, era uma zona que parecia um condomínio fechado, rodeado com muro, acharam que era um lugar ideal para instalar um grupo de gente em guerra e fizeram uma base militar nesse perímetro onde eu vivia. Como consequência ficámos sem nada em casa, destruíram tudo, casas abaixo, e nisso desapareceu um arquivo que eu tinha, que era toda a minha vida, não só a minha produção literária, como o meu arquivo de várias peças publicadas em jornais. Depois disso entendi que tudo o que fizesse deveria tentar publicar. Em 2011, publiquei um caderninho de poemas, que tem o título de “Mar Misto”, e tive a surpresa de ser bem recebido. Nesse trabalho publico poemas em português e em crioulo. Porque acredito que o bilinguismo é mais eficiente do que o monolinguismo: é mais útil, mais consequente. E então sai esse livro nas duas línguas, que me pertencem.
– Defende a oficialização do bilinguismo na Guiné-Bissau?
E.D. – Penso que há gente que ainda não percebeu que as relações linguísticas não devem ser politizadas, porque se forem politizadas, o conflito nunca mais termina. As línguas devem ser complementares para entendermos o mundo, a nós e aos outros. Estamos agora a falar o português, mas se sairmos daqui teremos que usar o inglês ou o mandarim. Qual é o mal em haver variedade e de todas essas línguas terem a mesma função, comunicar? Quando as pessoas começam a ver as coisas em termos políticos, alguns até em termos ideológicos, acabam por hierarquizar as relações linguísticas. Quando você faz isso, cria conflito, porque o dono de uma língua não vai aceitar que você subestime a sua língua. O tratamento desta questão não deve ser dramático, deve ser natural, porque o crioulo, para nós, veicula a cultura. Se você quiser ensinar o português na Guiné tem que veicular a cultura também, o primeiro passo é a língua materna, se começarmos a ensinar nos primeiros graus em crioulo, creio que será muito mais fácil assimilar o português como língua de comunicação global. Na Guiné cometeu-se o erro grave de tratar o crioulo como no tempo colonial, não é língua de ensino. A realidade impôs o inverso, ainda não se ultrapassou os 10 por cento de população a falar fluentemente o português, e nesses 10 por cento, só uns três ou quatro por cento é que falam e escrevem como deve de ser. Outro aspecto, são as instituições do Estado, não conseguem impor o português, mesmo nas reuniões da presidência, do conselho de ministros, da assembleia, o crioulo é dominante, esse é um fenómeno que deve ser respeitado. As coisas devem ser encaradas com realismo, não vamos contrariar o que é incontrariável, dizer que nunca mais se vai usar o crioulo nas instituições da República, é perder tempo, e o inverso também, porque o português também está presente em tudo quanto é a nossa cultura. Então, o bilinguismo tem de ser respeitado, estudado, estimulado, porque é a harmonização de duas forças. Porque do ponto de vista histórico o português e o crioulo pertencem-nos. Eu reflicto em crioulo, escrevo em português ou em crioulo.
– Os seus livros são ambos edições de autor, certo?
E.D. – “Mar Misto” é uma edição de autor, editei em Portugal, inclusive já estou na segunda edição, depois percorri alguns países apresentando o livro junto da nossa comunidade guineense, a nossa diáspora.
– É também autor de “Da Maioria Qualificada à Crise Qualificada”, de 2013…
E.D. – Dada a minha militância política no PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde fundado em 1956 por Amílcar Cabral. O nome do partido reflecte a aliança secular entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau administradas conjuntamente por Portugal até 1878], evoluí politicamente no país, analisando e tentando compreender como funcionava o país e o partido PAIGC e acabei por concluir que era preciso reflectir sobre as razões dessas crises que nunca mais nos largam. Então aconteceu uma situação paradoxal em 2009: o PAIGC ganha as eleições com uma maioria qualificada [o candidato presidencial do PAIGC, Malam Bacai Sanhá venceu na segunda volta com mais de 63 por cento dos votos] e acaba por perder o poder, é derrubado por um golpe de Estado (em 2010). Isso pareceu-me extremamente estranho, tinha que ser analisado. Escrevi um ensaio que tem por título “PAIGC, da Maioria Qualificada à Crise Qualificada”. Esse trabalho contribuiu, penso eu, para que muita gente pudesse perceber o porquê das cíclicas crises tendo por epicentro o próprio PAIGC. Quer dizer, o PAIGC ganha e derruba-se a si mesmo, quase que frequentemente. Por exemplo, agora, estamos a atravessar mais uma crise.
– A que se devem estas crises políticas constantes?
E.D. – Uma transição de colónia para um Estado moderno tem uma componente cultural extremamente complexa. [Não é fácil] Sair de uma sociedade dominada, que foi sujeita a uma política de alienação estruturada e intensamente orientada, libertar-se dessas taras e assumir uma cultura moderna de Estado, que de repente transita para o sistema democrático, para o qual ainda lhe falta nível cultural para um exercício eficiente. Pode haver gente a exercer cargos políticos, mas que estão longe de exercerem com a competência e a experiência e a visão necessárias em termos de democracia e desenvolvimento.
– Quando diz que falta cultura, está a referir-se a educação?
E.D. – A educação é uma parcela muito importante, talvez a mais importante, mas a escola da vida… porque repare, dirigir não é uma ciência, é uma arte. É preciso ter uma capacidade interpretativa, descobrir as razões dos fenómenos, como conduzi-los para que tenham consequências positivas e não me parece que se nasça já com todas essas qualidades. Ou que haja uma universidade ou um estabelecimento de ensino que prepare as pessoas. Há vários contributos, a escola da vida, a trajectória individual e colectiva que vai melhorando a qualidade da liderança. Transitar de “colónia” para um Estado moderno implica um trabalho de fundo a nível cultural, para que as pessoas se apercebam da sua identidade. Caso contrário, o indivíduo é meramente um substituto do colono. Quer dizer, transfere o sistema [colonial] para o quadro nacional e isso é insuportável para a sociedade e não oferece estabilidade a ninguém. Deveria haver um debate nacional sério: culturalmente onde estamos, como estamos a evoluir? A elite nacional deve ter a responsabilidade de se auto-analisar e de reflectir.
– Em que ponto está a literatura na Guiné-Bissau? Pelo que já deu a entender é difícil para os autores verem as suas obras publicadas. Há outros autores e intelectuais a produzir reflexões sobre o país, a publicar em jornais ou noutros meios?
E.D. – É essa a grande satisfação que temos, de verificar que os artistas e produtores guineenses, no continente africano pelo menos, devem ser dos mais activos e interventivos, na música, na literatura, na pintura, em qualquer domínio das artes há um sentido contestatário, reivindicativo na Guiné Bissau muito forte.
– Onde é que estão essas vozes contestatárias, na Guiné-Bissau?
E.D. – Estão na Guiné-Bissau. A maioria está lá. O que acontece é que existe uma adversidade entre o poder e esse grupo. Protagonizo isto há umas dezenas de anos. Começámos na área musical, com o grupo Cobiana Djazz, que criou uma escola – que ainda hoje é a principal – de texto com conteúdo de protesto, de alerta, de crítica, para que as coisas entrem no devido eixo. No domínio da literatura, pode-se dizer que a nossa literatura começa a surgir também com a luta de libertação e pela independência nacional. Porque no século passado, houve uma figura que deixou obra, que foi o nosso cónego Marcelino Marques de Barros, que viveu entre o século XIX e princípio do século XX, e deixou obras, em vários domínios. Depois disso, só em 1973 é que surgiu um livrito de poemas de um autor autóctone. Não digo que não se tenha escrito sobre temas guineenses, mas esses autores eram da metrópole, de Cabo Verde, alguns. Mas, autores de origem guineense começaram a surgir a partir da independência, há 40 e tal anos. As edições acontecem na Guiné e em Portugal. Inclusive no dia 17 vamos ter mais um lançamento do nosso grande romancista Abdulai Silá. Asseguro-lhe que neste momento temos largas dezenas de autores. Agora, a actividade literária é pouco conhecida além-fronteiras, porque não há uma política de promoção do livro e da literatura em geral e mesmo as nossas políticas culturais, até aqui, infelizmente, situaram-se muito aquém daquilo do que era desejável e possível. O sector cultural é aquela última prenda que se dá a um apoiante político. Quando nós somos um país que chegou à independência através de uma luta definida por Amílcar Cabral como sendo um acto de cultura e um factor de cultura. E a luta não termina, é eterna, é infinita. Quer dizer que todas as etapas da vida de uma sociedade são de luta. Essa percepção não existe no nosso poder, eles pensam que aquilo se limita a música, dança, baile, quando isso são disciplinas artísticas que integram o essencial da cultura.
– Como é que se produz cultura na Guiné-Bissau perante a falta de apoio institucional e privado? É iniciativa individual?
E.D. – Fundamentalmente. Por exemplo, no domínio literário os trabalhos que referi foram edições de autor. Ainda estamos longe das pessoas perceberem a importância de um livro ou de uma obra de arte. Ainda temos uma relação primária com estas coisas. Quando é assim, os criadores artísticos vêm-se em dificuldades para verem materializadas as suas obras. Há coisa de 20 anos conseguimos ter uma editora privada, que é do Abdulai Silá e seus sócios, que é a Kusimon, ultimamente surgiu a Corubal do escritor Tony Tcheka, é o sector privado que já está a dar alguns passos nesse sentido, com sacrifícios enormes. Em termos públicos, a nossa Imprensa Nacional está agora a enveredar por esse caminho da edição, mas uma boa parte das coisas são publicadas em Lisboa. Ninguém sente que haja uma política de apoio para que a actividade literária se desenvolva normalmente e de forma consequente. Por exemplo, cheguei aqui, e analisando os documentos desta iniciativa da Rota das Letras, vejo um apoio incrível, vi páginas largas com os patrocinadores. Isso revela que à frente dessas instituições há gente com uma enorme sensibilidade cultural. Você na Guiné chega a um banco, uma empresa, apresenta o seu projecto e apercebe-se que os indivíduos não entendem que o que você está a propor é algo de muito importante para a actividade deles. Isso é um dos entraves ao desenvolvimento da nossa literatura e da nossa cultura. Aquilo que as pessoas não conhecem, não tratam com estima e carinho e não defendem. Temem. Porque a violência e a agressividade é filha da ignorância. Temos que todos empurrar para o mesmo lado, para que as pessoas se cultivem mais e um dos veículos essenciais são as artes, a literatura, os livros.
– O funcionamento escolar na Guiné-Bissau é também muito instável, por vezes não há pagamento de salários, escolas que encerram, a nova geração está a ser penalizada.
E.D. – Ninguém entende o que se passa no nosso sector da educação que desde a independência não se estabiliza. É preciso ter em conta que o que nós almejamos, que é a estabilidade, a construção, o desenvolvimento do país, começa no indivíduo, se este não tem boa educação contribui para a instabilidade, quando é o inverso, o indivíduo é informado, é culto e percebe os fenómenos, contribui para a estabilização. O cuidado que se deve ter com o sistema educativo deve ser sublime, não se pode falhar uma vírgula na educação. Mas, na Guiné-Bissau, não se consegue terminar um ano escolar sem interrupções no ensino público. É por isso que acho que tem de haver um debate nacional muito sério. É como os mandatos dos nossos Governos, desde que entrámos em democracia não conseguimos uma alternância pacífica, é só golpes, é só confusões. Ninguém ainda conseguiu terminar um mandato. Penso que a instabilidade política é consequência da instabilidade cultural do país.
– Há muita gente formada que acabou por sair ou que acabou por não regressar à Guiné-Bissau.
E.D. – Há quadros aos milhares. Consta que cerca de 300 médicos que estão no sistema nacional de saúde português são originários da Guiné-Bissau, formados no pós-independência, sem falar de outros países e de outros domínios de competência. Por exemplo, o aeroporto aqui de Macau está a ser dirigido por um quadro da Guiné-Bissau [António Barros, director do Aeroporto Internacional de Macau], que estava no aeroporto de Bissau, quando começou a modernizar o serviço, veio um fulano qualquer, um ministro que não sabia nada daquilo e incomodou o homem de tal maneira que ele teve que arranjar a sua vida noutro lugar, porque tem família e filhos para educar. Este é um exemplo onde há um quadro guineense a prestar um serviço de topo, que foi afastado da Guiné. Isto são situações que mostram que o sector político está mal culturalmente. Quando o sector político não consegue manter no país os quadros de maior valia, o país não pode funcionar. Em vez destes quadros às vezes são elevados a cargos governamentais indivíduos analfabetos e semi-analfabetos. Porque não conseguiram assumir culturalmente a missão que lhes foi atribuída, não conseguiram criar condições para que as pessoas que podem realmente fazer funcionar o país possam residir e trabalhar no país. Porque ninguém gosta de viver na migração, no exterior. Vivi muito no exterior. Mas, a minha residência permanente é na Guiné-Bissau, não me sinto bem se não for na Guiné, tenho que estar em casa, na minha terra. Esse sentimento é geral, todos os guineenses sentem isso. Infelizmente, as pessoas ainda estão com aquela fobia de chegar ao poder para enriquecer rapidamente e, quando é assim, todo o mundo é inimigo, é concorrente, tem que afastá-lo, esmagá-lo porque senão ainda toca no tacho. Supostamente, estar rodeado de medíocres é segurança para quem está em lugares de decisão, porque não incomodam. Mas, isso não resulta.
– O Ernesto Dabó cresce e forma-se numa época diferente.
E.D. – Tenho a sorte de ter crescido numa família equilibrada e de extrema harmonia. Nasci numa cidade cosmopolita para a altura, que é Bolama, que foi capital da colónia até 1941, que desenvolveu um cosmopolitismo que nos permitiu estar a um nível de privilégio, em relação ao resto da colónia. Só para ter uma ideia, estávamos numa cidade com todas as infra-estruturas básicas: um cais, aeroporto, cinema, hospital, serviço bancário, hospital, escolas. Foi aí que fiz a minha instrução primária. Em Bissau concluí a instrução primária. Nesse ano perdi o meu pai. Já tinha um outro irmão em Portugal, ele vai às cerimónias fúnebres do nosso pai e propõe à família: “Ele já fez a quarta classe agora tem de continuar a estudar, deixem-me levá-lo”. Foi assim que fui parar a Portugal, em 1963, e continuei os meus estudos, até que fui recrutado, para a Marinha Portuguesa, mas antes já tinha estado na Escola Agrícola, enfim uma trajectória de sobe e desce na vida, da qual tenho muito orgulho. Depois consegui enquadrar-me nas estruturas clandestinas do PAIGC, na luta de libertação e quando se dá a independência regresso ao país, até hoje.
– Na Guiné-Bissau a literatura faz-se também através da música. O Ernesto Dabó gravou um CD em 2013, “Lembrança”. O que é que se encontra neste CD, são músicas de revolta, de amor?
E.D. – Acabou por definir o disco. Há textos que são de revolta, há outros de amor, outros de homenagem a figuras importantes da Guiné, como o tio Lúcio, Lúcio da Silva (que morreu em 2011), que na nossa cultura popular guineense deve ser o expoente máximo, foi o criador do nosso género nacional que identificamos com o termo “tina”, que representa o mesmo que o fado para Portugal, o tango para a Argentina ou o jazz para os Estados Unidos. É o género mais representativo do nosso folclore, porque é transversal a toda a sociedade. O tio Lúcio cantou muito, criou muito, era um poeta popular, tinha uma criatividade extraordinária e deixou obra, mas que infelizmente não ficou documentada, ficou no registo da memória. Sou da cidade de Bolama, o tio Lúcio também era de Bolama e eu cresci a ouvi-lo cantar. Cresci com ele como ídolo. A outra homenagem é a José Carlos Schwarz, um contemporâneo meu: eu, ele, Aliu Bary e outros criámos a primeira banda musical moderna da nossa história, que é o Cobiana Djazz. Mas, o José Carlos teve uma vida muito curta, viveu apenas 27 anos. Era um génio. Fomos colegas e iniciámos a trajectória da nossa música moderna juntos, foi uma amizade de alta cumplicidade, de troca profunda e de estima mútua muito grande. Escrevi-lhe uma homenagem em 1980 e tal. Fiquei com essa música só para mim, até que chegou uma ocasião de gravar um disco, no Canadá, graças a um amigo meu, Adulai Djalo, e decidi gravar esse tema, que abre o disco, e que tem por título “Djussé” – “José” em crioulo. O disco é, sobretudo, um registo com várias propostas, no sentido em que acho que a nossa música popular deve manter-se como o quadro matriz, a raiz, donde podemos crescer para a universalização da nossa música. Por exemplo, tenho duas peças em “tina”, uma do tio Lúcio, em que se toca a “tina” à moda tradicional, sem efeitos, puro como se fazia antigamente. E há um segundo tema em que já faço a introdução do violoncelo. Esse primeiro é para dizer: “a matriz é isto”, o segundo é para dizer: ” A partir da matriz podemos abrir a outras expressões e introduzir outros instrumentos que não são locais, como o violoncelo”. Tratei de propor abordagens, não só temáticas, como melódicas, com a introdução de outras vozes instrumentais, o violoncelo, a guitarra clássica e a “corá” [instrumento de cordas], a harmónica, várias experiências. Quando você quer fazer uma proposta musical com sentido identitário, que seja mais do que diversão, tem que trabalhá-la de outra maneira, isso implica sacrifícios, abstrairmo-nos de partidarismos e focarmo-nos no que é essencial.