Em junho de 1976, centenas de crianças foram mortas a tiro pela polícia do regime segregacionista do apartheid, na África do Sul. Marchavam contra a imposição do Afrikaans nas escolas.
Centenas de crianças e jovens do Soweto, um subúrbio nas imediações de Joanesburgo que era destinado às comunidades não brancas, organizaram uma marcha de protesto a 16 de junho de 1976. A mensagem era simples: Não à imposição do Afrikaans, a língua da comunidade branca, como idioma obrigatório de ensino de todas as disciplinas.
"A opressão de grupos minoritários é sempre agravada pela imposição da língua ao povo oprimido, e nós sentíamos que não podíamos aceitar", recorda Murphy Morobe, um dos líderes estudantis que liderou a marcha histórica.
Quando as crianças e jovens chegaram à rua Vilakazi, em Orlando ocidental, a polícia do apartheid começou a disparar com balas reais. Centenas de pessoas morreram nos confrontos que prolongaram pelos dias seguintes. Não se sabe ao certo quantos manifestantes foram mortos, mas aponta-se um número: 600 pessoas.
"Foi um inferno"
"A polícia disparava aleatoriamente", conta Sam Nzima, o fotógrafo que tirou a famosa foto de um rapaz a carregar Hector Pieterson, um menino de 13 anos atingido pelos disparos. "Puxaram das armas e dispararam diretamente para a multidão. Foi um inferno."
A fotografia de Hector Pieterson está num monumento de homenagem, perto do local onde ele foi morto
Como todas as lutas, a repressão à marcha dos estudantes deixou marcas dolorosas em muitas famílias. Antoinette Sithole é a irmã de Pieterson e estava junto a ele quando foi atingido: "Quando olhei para o meu irmão e vi sangue na boca entrei em pânico. Então um rapaz ia a pôr o meu irmão no carro disse: 'ele está morto'. Ao ouvir isso, chorei de desespero."
Depois do massacre, centenas de jovens deixaram o país, pegaram em armas para lutar pela liberdade, que só chegou em 1994, com a queda do apartheid.
É preciso "descolonizar o currículo"
Hoje, os habitantes do Soweto reconhecem a contribuição dos jovens de 1976. Oupa Moloto, um dos estudantes que participou no protesto, coordena atualmente o projeto da Fundação Junho de 1976, no Soweto.
"Agora não há espaços exclusivos para brancos e negros. Todos temos o mesmo bilhete de identidade. No nosso tempo, não havia estrada asfaltada. Quando jogávamos futebol era na poeira", diz à DW África.
Muitos dizem, no entanto, que apesar do sacrifício dos jovens do Soweto em prol da liberdade política e cívica, os sul-africanos estão ainda longe de uma igualdade educacional plena. "Hoje em dia, não há nenhuma lei que proíba os estudantes negros de estudarem nas instituições que querem, mas a realidade económica faz com que eles não consigam pagar os estudos", afirma Ralph Mathenga, um analista político independente a viver em Joanesburgo.
Existe também uma grande preocupação sobre se algumas instituições académicas sul-africanas estarão ainda a refletir alguns valores do apartheid. Segundo Mathenga, "fala-se de descolonizar o currículo, para ensinar as pessoas a orgulharem-se da sua cultura e do património africano".
Fonte: DW África