domingo, 7 de janeiro de 2018

ECONOMISTA PAULO GOMES AFIRMA QUE A CEDEAO NÃO ESTÁ PRONTA PARA CRIAR UMA MOEDA ÚNICA

[ENTREVISTA 2/2] O economista guineense e ex-quadro sénior do Banco Mundial, Paulo Gomes, afirmou, durante uma entrevista ao nosso semanário, que os países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) não estão prontos para a criação de uma moeda única para a sub-região. Gomes respondia assim a questão sobre a iniciativa anunciada pelos Chefes de Estados e do Governo da CEDEAO durante a 52° Cimeira realizada em Abuja, a 16 de dezembro último, sobre a criação de uma moeda única para os 15 países que constituem aquela organização sub-regional.
 
“Não estamos preparados. A Guiné-Bissau não está pronta e os países da CEDEAO não estão. Sou muito direto e não tenho muito tempo para muita diplomacia, sobretudo, em relação às questões económicas. Falta muita coisa para que possamos ter a moeda única”, esclareceu, para de seguida avançar que a zona franca é boa só quando se está preparado para tirar proveito. Porém, para tirar proveito é preciso ter uma estratégia, o que a Guiné-Bissau.
 
Relativamente à não implementação das recomendações saídas do Fórum Económico de Bissau realizado em 2013, cujos resultados são tidos pelos observadores como tendo tido um impacto no país, explicou que, atendendo à crise que se vive neste momento é possível que muitas dessas pessoas tenham chegado à conclusão que não é um quadro favorável para vir investir no país.
 
“Tenho relações muito boas com Alhaji Aliko Dangote, que é o homem mais rico da África. Ele disse claramente: Paulo! Se as coisas ficarem um pouco mais calmas no teu país, eu virei investir, porque levaste-me a outros países. Virei investir. Então, decidi avançar com alguns investimentos nas áreas da Agricultura e do Turismo”, notou o economista.
 
O Democrata: Murmura-se nos bastidores que existe um acordo secreto entre o líder do PAIGC Eng. Domingos Simões Pereira e o senhor Paulo Gomes. Há a possibilidade de se apresentar às próximas eleições como candidato do PAIGC?
 
Paulo Gomes: Vocês acreditam que o PAIGC que conhecem vai conseguir chegar a um acordo, submetê-lo ou fazer com que os militantes o aceitem? Eu conheço aquele partido, portanto não é assim e não há acordo nenhum. O acordo que existiu foi o de ajudá-lo depois das eleições, apesar de o facto de eu não o ter apoiado na segunda volta das presidenciais. Quando falei da neutralidade, fui criticado.
 
Mesmo assim, apoiei o processo depois das eleições, mas as pessoas esquecem-se e depois dizem que o fulano não ajudou! Não fez nada… Bom, é claro. Talvez eu deveria ter ajudado, falando à imprensa ou às rádios, para dizer que estou a fazer isto e aquilo. Não! Não é minha cultura. Não sou o tipo que vai buscar loiros. Sou uma pessoa demasiadamente privada e com profundo senso e sentido de relação. E mais, do que tudo isso “N’ka misti lebisimenti”.
 
OD: Há vozes que criticam o Paulo Gomes por ter abandonado o povo guineense depois das eleições, quer fazer um comentário…
 
PG: Primeiro, o que significa abandonar o país, quando você investe vários milhões nesse país e a cada mês? Quando tem uma vasta plantação de pomar de cajú (ponta) nesse país, a construir casas e a planear um projeto turístico, quando faz lobbying para que haja recursos nesse país?! O que é exatamente abandonar o país, sobretudo quando há uma série de associações de mulheres e jovens que apoia?!
 
Quer dizer, se tivesse feito propaganda daquilo que faço cada mês na Guiné-Bissau, talvez as pessoas não diriam que abandonei o país. Não quis implicar-me em politiquices, sou uma pessoa independente, portanto “N’ka ta para mon”. Sou um expert internacional que viaja pelo mundo, aconselhando governos. E vou continuar a fazê-lo.
 
Mas tendo em conta a situação que o país vive e o fim do período de graça que decidi que daria a mim mesmo, penso que estou agora de uma forma mais intensa no xadrez político guineense, mas de forma independente. Não quero fazer política como muita gente fá-la em outras partes de África, dando dinheiro para pedir contas depois. Por exemplo, pensando: quando eu for presidente ou ocupar qualquer posição, vou buscá-lo de volta. Assim é que funciona a política em África, mas não comigo.
 
Quero ter a minha independência. Tenho responsabilidades com a minha família e muitas pessoas que estiveram na minha campanha eleitoral nas presidenciais de 2014. Continuo a tentar acompanhá-las. Não vou ficar dependente de atores nacionais ou estrangeiros que poderiam dar-me dinheiro para fazer política. Não.
 
OD: O que falhou depois do Fórum Económico de Bissau realizado em 2013? Os resultados não tiveram um impacto no país. Falhou alguma coisa ou os doadores perderam a motivação de investir no país?
 
PG: Depois do Fórum de Bissau, como sabem, vieram várias personalidades privadas e públicas e houve eleições. Talvez, muitos estivessem com a esperança que eu pudesse estar a governar o país. Não aconteceu. Mesmo assim, encorajei todas essas pessoas para virem à Guiné-Bissau.
 
Contudo, atendendo a toda a crise que vivemos neste momento, é possível que muitas dessas pessoas tenham chegado à conclusão que não é um quadro favorável. Tenho relações muito boas com Alhaji Aliko Dangote, que é o homem mais rico de África. Disse-me, claramente: Paulo! Se as coisas estiverem um pouco mais calmas no teu país, eu virei investir na Guiné-Bissau, porque já me levaste a outros países, portanto virei investir.
 
Então (por minha iniciativa) decidi avançar com alguns investimentos nas áreas da Agricultura e Turismo.
 
OD: Teve muitas iniciativas sociais no país que visavam ajudar a população. Como vão esses projetos?
 
PG: Essencialmente, houve muitas coisas que foram desenvolvidas no Arquipélago dos Bijagós, sobretudo com as mulheres. Infelizmente, houve uma crise nos arquipélagos e alguns recursos tiveram que ser canalizados para ajudar a população de Canhabaque, vítimas de fogo que consumiu muitas casas. Desempenhei um papel para socorrê-las. Não quis falar disso. Não vou mudar a minha forma de funcionar e de ser.
 
A intenção era que eu informasse que apoiei as pessoas de Canhabaque para fazer casas. Mas não vou fazê-lo, porque tenho apenas contas com Canhabaque e não com toda gente que quer saber que fiz casas em Canhabaque.
 
Não estou em campanha eleitoral, apenas estou a acompanhar zonas onde as pessoas foram muito legais comigo nas eleições. Estou a fazê-lo com as mulheres Bijagós nas ilhas e em Bissau com as mulheres horticultoras, mas não preciso fazer, ou seja, não quero fazer publicidade disto e as pessoas têm que respeitar a minha forma de funcionar.
 
OD: A maior recomendação da Cimeira África/Europa realizada recentemente em Abidjan (Costa de Marfim) é a criação de uma força de resgate dos emigrantes africanos nas mãos das milícias na Libia. Em que pé esta iniciativa?
 
PG: Vou dar-lhe um exemplo de um envolvimento mais direto com outro compatriota, Carlos Lopes. Trabalhamos nessa questão para reestruturar esse instrumento. Estivemos, antes e durante a cimeira, na elaboração desses comunicados e nas discussões internas, mas não fizemos propaganda disso.
 
Estou envolvido na estruturação do fundo que vai permitir que a União Europeia possa financiar ações de emprego em vários países africanos, sobretudo emprego jovem. Por mês, estou duas vezes em Bruxelas. Estamos quase a acabar esse processo e estou consciente que vai beneficiar a Guiné-Bissau e servir outros países africanos, mas não quero fazer propaganda sobre isso. São aspetos de cariz técnico, para os quais fui solicitado e a minha satisfação está, sobretudo, em ver isto ser também implementado no meu país.
 
OD: Há vozes que criticam não só a sua posição de neutralidade em relação aos problemas da Guiné-Bissau, como a do Carlos Lopes e outros guineenses que estão na diáspora a dar tudo para ajudar ao nível externo outros países, mas cá dentro o país está como está. E muitos criticam que deixaram o país a mercê dos mais fracos sem capacidade para exercer a política. Quer fazer comentários? 
 
PG: O que é que essas pessoas querem que eu faça mais? Fui candidato às eleições presidenciais. Usei o meu próprio dinheiro. Gastei centenas e centenas de milhares de euros para tentar ser presidente desse país, não consegui!
 
Mas depois de tudo ajudei imediatamente o Governo de Domingos Simões Pereira na preparação da Mesa Redonda de Bruxelas e na sensibilização externa. Portanto, estou permanentemente a disposição para trabalhar. Aliás, estou a ajudar o meu país, mas fazer propaganda disso? Não! Quero que os medias me ajudem a explicar as pessoas. Não vou fazer propaganda de nada. Se é isso o que as pessoas querem para depois votarem em mim, então que não votem.
 
OD: O senhor é um dos peritos contratados para trabalhar no projeto de energia limpa para o continente. Este é um desafio encarrado agora pelos líderes africanos. No seu ponto de vista, é possível conseguir investimentos estrangeiro para este sector?  
 
PG: Sim. Mais uma vez, como sabem, fui uma das pessoas da equipa que fez a estruturação do “Fundo Verde Mundial”. Desde a primeira reunião até à formação desta instituição na Correia, fui membro de conselho de administração e enquanto fazia isso estava também envolvido na “Fundação Bio-Guiné”, na Guiné-Bissau. Muitas pessoas não sabem disto que sou presidente da “Fundação Bio-Guiné” e que estou a fazê-lo sem ser pago, porque quero. O fundo verde mundial vai preparar tudo e neste momento o dossiê da Guiné-Bissau está em discussão para que haja financiamento para área do ambiente.
 
A 21 de Dezembro, discutimos sobre o que fazer com esse fundo, porque quando esse dinheiro chegar, teremos que definir planos para ver como podemos eletrificar as ilhas Bijagós através da energia solar e eólica. E acredito, mas há uma coisa que as pessoas têm que saber, que o fato de o nosso país ser visto como um país de crise permanente faz com que os países vizinhos aproveitem do dinheiro que poderia ser canalizado para a Guiné-Bissau.
 
OD: Na última Cimeira de Chefes de Estado da CEDEAO que decorreu em Abuja falou-se da criação de uma moeda única ao nível da organização comunitária. É possível, dentro de um determinado prazo, fazer circular essa moeda e quais são as suas vantagens e desvantagens para o continente? 
 
PG: Não estamos preparados. A Guiné-Bissau não está pronta e os países da CEDEAO não estão. Sou muito direto e não tenho muito tempo para muita diplomacia, sobretudo, em relação às questões económicas. Falta muita coisa para que possamos ter a moeda única.
 
A moeda é apenas um instrumento na cadeia da situação económica. Não é porque a inflação é baixa logo temos que avançar. Vejam só, a inflação de Zimbábue é de mil (1000) por cento e nós só temos um dígito, mas temos dificuldades. Estamos na zona do franco CFA, mas estamos muito longe de tirar proveito da zona franca. Um, porque não temos uma estratégia. Dois, porque estamos permanentemente num ciclo de instabilidades. E sabem quem devia ser o diplomata em chefe da zona franca e da UEMOA? É o Presidente da República que faz isto, não o Primeiro-ministro.
 
Há muitos segredos entre os presidentes no quadro da UEMOA- “Si bu ka entra na ki cume di futecerus”, não consegue coisas para o seu país, mas tudo isso requer estar presente com eles e fazer lobbying com outros.
 
OD: Disse que os países da CEDEAO não estão preparados para ter a moeda única, mas neste momento continua a haver contestação a nível dos países da UEMOA sobre o uso da moeda franco CFA. O que é preciso fazer?
 
PG: O meu compatriota Carlos Lopes é quem está mais engajado nesse processo. Eu preferi não me engajar. Já falamos muitas vezes, somos amigos e cada vez ele diz, Paulo  eu vou. A zona franca  é boa só quando você está preparado para tirar proveito e para tirar proveito tem que ter uma estratégia. Nós não temos estratégia para nós mesmos.
 
OD: O fenómeno do terrorismo é uma realidade na nossa região. Já se registaram atentados em grande escala protagonizados pelo grupo ‘Boko Haram’ da Nigéria e da rede ‘Al Qaeda do Magreb’ que tem as suas células na África Ocidental. O que fazer para combater o fenómeno ao nível do espaço da CEDEAO, em particular no nosso país onde se começa sentir a presença de elementos da rede jihadista? 
 
PG: O melhor combate para nós é a luta contra a pobreza. Se tiver números de golpes a crescer, zonas isoladas sem a presença do Estado, pessoas com sentimento de abandono, da injustiça e pessoas a encorajem diferenças de caráter religioso e étnico, você torna-se vulnerável ao terrorismo. É como um corpo cujo sistema imunitário está fraco e uma pequena infeção apenas pode dar cabo desse corpo.
 
É o nosso caso. Somos extremamente vulneráveis. Temos que criar uma identidade nacional forte, combater todos aqueles que vêm com reações ou comportamentos que levem à divisão étnico-religiosa.
 
Ainda lembro-me de que quando estava no internato, não sabíamos quem era pobre ou rico e nem conhecíamos a etnia de um ou do outro. Agora há pessoas que usam isso e até religião. Que fique claro que essas pessoas serão reféns de tudo isso, porque poderão cair na armadilha que eles próprios estão a montar neste momento. É preciso abster-se desse caminho, porque terão pessoas como eu a combater esse comportamento. Aí, sim, faço a política contra essa atitude, porque são coisas importantes para a criação da identidade própria e a unidade nacional.
 
Não vou deixar nenhum político, seja Presidente da República ou qualquer político para criar um sentimento de divisão étnica e religiosa neste país. Vou combatê-los com todos os meios que tenho. E podem acreditar que os meios não são só financeiros. Tenho relações neste mundo de todo tipo, porque apreendi, infelizmente, que as ameaças que vêm para Guiné-Bissau requerem desencadear ou utilizar todas as relações que existem no mundo.
 
 Sejam elas financeiras ou dos serviços de inteligência. Tenho e posso pô-las em uso na Guiné-Bissau, se sentir que este país está a ser ameaçado. Ninguém. Nem Boko Haram’, nem pessoas a nível interno que criam divisões de ordem étnica ou religiosa, vão conseguir dividir esse país. Muita gente morreu para esse país e não vamos deixar que aventureiros ou pessoas a improvisar dividir esse país. Disso podem ter certeza.
 
OD: Qual é o sonho de Paulo Gomes para a Guiné-Bissau?
 
PG: Infelizmente, não sou pessoa que sonha. Quando ia a cama dormir, a minha mãe dizia você não consegue sonhar.
 
Não tenho esse dom, mas sonho com os olhos bem abertos e vejo esse país a transformar-se. O ciclo que estamos a viver neste momento é infeliz e de perda de tempo. Contudo, estou a ver uma Guiné-Bissau que daqui a alguns anos vai ser respeitada, a crescer, a defender os seus interesses, vai ter mulheres a participar massivamente no desenvolvimento do país. Faço disso a minha prioridade, e vai ser um país a falar muitas línguas, não só uma.
 
Temos uma das diásporas, a mais competente no mundo. Temos vários «Paulo Gomes e muitos Carlos Lopes” que estão a espera. Muitos não querem correr riscos de vir à Guiné-Bissau, porque não sabem fazer politiquices, não sabem ter invejas. Temos pessoas na área do futebol, dos melhores futebolistas na seleção do Senegal e dos outros países, mas que são guineenses.
 
Na Inglaterra, por exemplo, temos guineenses na arte, cultura, pintura… olha este país precisa só da estabilidade de um ano, com um presidente que sabe desempenhar esse papel para que a Guiné-Bissau possa ser invadida, no bom sentido do termo, pela qualidade da sua diáspora. O engraçado de tudo isso é que essas dificuldades de mais de 15 – 20 anos fez os guineenses espalharem-se pelo todo mundo e o mundo formou-os quer em Londres ou nos Estados Unidos da América, quer em Portugal.
 
Então, às vezes é preciso acreditar que coisas boas estão a vir para a Guiné-Bissau. Infelizmente, podíamos ter feito muita coisa nesses dois anos, mas perdemos tempo. Acredito que esse ciclo vai ser uma lição para qualquer presidente, que há cenários que não devem ser desencadeados, porque ficaríamos a perder. E espero que isso permita também o país avançar, talvez para um processo da revisão da nossa constituição e torná-la ainda mais democrática para que esse cenário que aconteceu não volte a acontecer.
 
 
Por: Assana Sambú, Filomeno Sambú e Sene Camará