McCain (segundo a contar da esquerda) sentiu-se "quase invencível" naquele balcão
“Se não consegues encontrar alguma coisa pela qual estás disposto a
perder a vida, então deves perguntar-te porque estás cá”. Franklin McCain tinha
apenas 19 anos mas talvez esta convicção estivesse já firme na sua cabeça
quando, a 1 de Fevereiro de 1960, entrou nos armazéns da Woolworth em
Greensboro, na Carolina do Norte, e se sentou com três colegas da universidade
ao balcão de um snack-bar reservado a brancos. Pediram café e donuts e,
quando recusaram servi-los ficaram ali sentados até a loja fechar. Voltaram no
dia a seguir e em todos os seguintes – o pequeno grupo transformou-se numa
multidão, que inspirou outras e ajudou a incendiar a luta pela igualdade entre
brancos e negros na América dos anos 1960.
McCain morreu quinta-feira, aos 73 anos, de complicações pulmonares e
os obituários que a imprensa lhe dedicou foram elegias da ousadia juvenil dos
Quatro de Greensboro (como ficaram conhecidos), transformada em marco dos
protestos contra a segregação dos negros. “McCain e os seus três colegas foram
heróis à moda antiga, soldados no puro sentido da palavra: fartos da sua
situação, incapazes de a tolerar por mais tempo, temendo os custos de se
manterem inactivos por mais tempo, ergueram-se e foram à luta”, escreveu a
revista The Atlantic.
Não foram os primeiros a protestar – de forma pacífica, sem
provocações mas sem transigir – contra os estabelecimentos que tratavam de
forma diferente os clientes conforme a sua raça. Mas até então, nenhuma
outra iniciativa atraíra tanto a atenção.
Numa das várias entrevistas que deu em 2010, no 50.º aniversário do
seu sit-in, McCain explicou ao Charlotte Observer,o que
levou os quatro caloiros da Universidade de Agricultura e Tecnologia da
Carolina do Norte, uma escola só para negros, a passar à acção. Os pais e os
avós tinham-lhes ensinado que, se cumprissem as leis e trabalhassem no duro,
seriam bem-sucedidos: “Eu sentia-me parte de uma grande mentira. Todos nos
sentíamos assim.” Depois de meses a discutir as injustiças da segregação,
decidiram que era altura de fazer qualquer coisa e, na noite de 31 de Janeiro
de 1960, escolheram o alvo: a cadeia Woolworth que, nos estados do sul, impunha
a segregação aos seus clientes.
Na tarde do dia seguinte, entraram na loja de Greensboro e, depois de
comprarem material escolar e pedirem a factura (para provar que tinham feito
despesas), sentaram-se em quatro bancos altos do snack-bar reservado
a brancos. “Estávamos assustados”, contou David Richmond, um dos quatro, que
morreu em 1990. “A adrenalina corria-me nas veias, mas se alguém ao balcão
tivesse gritado ‘buhh!’ eu teria fugido a correr”.
Demasiado zangado para sentir medo
As recordações de McCain são diferentes. “Não tinha medo porque estava demasiado zangado para sentir medo. Sabia que se tivéssemos sorte iríamos passar muito tempo na prisão. Caso contrário, podíamos regressar ao campus num caixão de pinho”. Desafiar a segregação que fazia lei nos estados do Sul era arriscar a prisão e os espancamentos eram uma rotina. Mas McCain diz que, “15 segundos” depois de se sentar sentiu algo inédito: “Foi uma sensação de liberdade, de dignidade recuperada. Senti-me quase invencível”, contou, em 2010, à rádio pública NPR.
Demasiado zangado para sentir medo
As recordações de McCain são diferentes. “Não tinha medo porque estava demasiado zangado para sentir medo. Sabia que se tivéssemos sorte iríamos passar muito tempo na prisão. Caso contrário, podíamos regressar ao campus num caixão de pinho”. Desafiar a segregação que fazia lei nos estados do Sul era arriscar a prisão e os espancamentos eram uma rotina. Mas McCain diz que, “15 segundos” depois de se sentar sentiu algo inédito: “Foi uma sensação de liberdade, de dignidade recuperada. Senti-me quase invencível”, contou, em 2010, à rádio pública NPR.
Não foram espancados, nem presos. Mas o empregado recusou servi-los,
um polícia disse-lhes para saírem dali, tocando de forma ameaçadora no
cassetete, e um empregado negro acusou-os de serem agitadores. Mantiveram-se
sentados e ouviram insultos de clientes brancos, mas também palavras de
incentivo. “Uma senhora de idade que estava a observar a cena aproximou-se e
sussurrou ‘rapazes, tenho tanto orgulho em vocês’ e eu aprendi que nunca se
deve julgar alguém antes de termos tido oportunidade de falar com essa pessoa”.
A loja fechou mais cedo e os quatro regressaram a casa, esfomeados mas
determinados. Na manhã seguinte regressaram ao mesmo lugar, seguidos por 25
colegas e alguns jornalistas. No final da semana, eram já 300 e o protesto
alastrava – primeiro a outras cidades da Carolina do Norte, depois a outros
estados (há quem fale em 55 cidades, há quem conte mais de 250). Nem todos
foram bem-sucedidos, mas a acumulação de protestos, escreveu oNew York Times,
“contribui para o impulso que levou à aprovação da Civil Rights Act de 1964”,
que proibiu a segregação nos locais públicos a nível federal.
Em Greensboro, a luta dera frutos muito antes. A 25 de Julho de 1960,
Woolworth passou a atender todos os clientes por igual. Em 2010, a loja deu
lugar ao Museu dos Direitos Cívicos e o balcão foi levado para o Museu
Smithsonian de História Americana, em Washington.
Mas para McCain, o sit-in foi apenas o começo de uma
vida de activismo pelos direitos cívicos. Aos 68 anos, numa entrevista à
jornalista Mary C. Curtis, admitia sentir-se feliz com a nova face do
país – a América que elegeu Barack Obama, um negro, para a presidência –,
mas desafiava as novas gerações a não baixarem os braços. “A todo o momento sou
recordado que em qualquer luta pela mudança são precisas apenas algumas pessoas
para fazer a diferença, às vezes apenas uma”.
Fonte: Público