sexta-feira, 5 de setembro de 2014

CARLOS LOPES: "É TEMPO DE AGIR PARA MOLDAR AS VIDAS DAS GERAÇÕES PRESENTES E FUTURAS"


Nasci em Canchungo, na região noroeste de Bissau. Uma bela paleta de uma paisagem verdejante atravessada por abundantes cursos de água, por uma floresta densa, grandes extensões de mangais, de ilhas virgens e um litoral onde uma riquíssima vida marinha abunda permanece gravada na minha memória. Hoje, as condições climáticas erráticas, a diminuição de precipitação, o aumento do nível do mar e outros fenómenos estão a mudar a paisagem, ameaçando a subsistência de pescadores e agricultores e pondo em causa o futuro de grande parte do meu país.
 
Com aproximadamente 80 pequenas ilhas que se estendem ao longo do litoral, a Guiné-Bissau é um dos  seis pequenos estados insulares em desenvolvimento (PEID) em África, juntamente com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe no Oceano Atlântico, e com as Ilhas Comoros, Maurícias e Seicheles no Oceano índico. A tendência tem sido a de subestimar os PEID africanos, quando são estes mesmos países que efectivamente “suportam” o custo global da gestão das alterações climáticas. Ainda que representando menos de 1% das emissões globais de carbono, os custos que os PEID suportam são extraordinariamente desproporcionais. 
 
Habitualmente referidos como um grupo homogéneo, as realidades dos PEID africanos são, na verdade, bastante diferentes. A nível económico, Cabo Verde, Ilhas Maurícias e Seicheles encontram-se entre os países de rendimento médio, numa muito melhor posição relativamente às Ilhas Comoros, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, classificados como países menos desenvolvidos (PMD). Não obstante, todos partilham as mesmas vulnerabilidades aos choques externos, dada a forte dependência que registam em termos de energia, importação de alimentos, a que se somam uma limitada diversificação das respectivas economias e grandes deficits públicos e externos. Tendo em conta estes constrangimentos, de que forma poderão estes países combater eficazmente as alterações climáticas e mitigar os efeitos a elas  associados?
 
As boas notícias são as de que os PEID africanos se encontram na linha da frente dos esforços para encontrar soluções inovadoras na resposta aos desafios trazidos pelas alterações climáticas, através de medidas para o aproveitamento e potencialização dos seus recursos marinhos e costeiros e de uma transição para soluções e tecnologias sustentáveis mais limpas e inteligentes. Por outras palavras: os PEID africanos são os pioneiros da denominada “Economia Azul”, conceito que está a transformar as alterações climáticas em oportunidades. 
 
Abundam as histórias de sucesso: 
- O projecto de energia eólica  Cabeólica em Cabo Verde foi criado em 2009 com o efeito de reduzir os custos da importação de energia para o país. Hoje, os quatro parques eólicos geram 18% da produção de electricidade, fazendo de Cabo Verde líder mundial em energia eólica e um modelo de parceria público-privada. 
 
- A plataforma fotovoltaica em La Feme, nas Maurícias, que começou a operar em Fevereiro de 2014, foi criada para responder à crescente demanda de energia. É  esperada desta plataforma a produção de 24GW horas de energia limpa, poupando simultaneamente 15.000 toneladas de emissões de CO2 por ano. 
 
- O sector da aquicultura está a despontar nas Seicheles, com o apoio financeiro do Governo por forma a incrementar a produção de atum, 70% do qual é exportado. 
 
As Seicheles estão também a promover o turismo industrial e arqueológico-marinho, nichos novos e amigos do ambiente. Em Junho de 2013, o país lançou o seu primeiro parque eólico em terreno recuperado em Port Victoria, fornecendo, actualmente,  electricidade a mais de 2100 lares e poupando 1.6 milhões de litros de combustível por ano. Este projecto, implementado em colaboração com os Emirados Árabes Unidos, constitui um exemplo de parceria Sul-Sul. 
 
Assim como celebramos estas histórias de sucesso, necessitamos, da mesma forma, de redobrar esforços para ajudar os PEID africanos e os restantes 52 pequenos estados insulares em desenvolvimento espalhados pelo mundo a manter o seu combate contra as alterações climáticas, a construir as suas capacidades de adaptação e a promover o uso, quer dos novos, quer dos já existentes conhecimentos e inovações. No meio de um cenário de desenvolvimento em rápida transformação, os PEID africanos precisam de encontrar novas formas de galvanizar o seu impulso para a “Economia Azul” através, inclusivamente, da exploração dos mercados financeiros africanos. 
 
No momento da vossa leitura estarei em Apia, Samoa, participando na Terceira Conferência Internacional dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Tenciono partilhar as histórias dos PEID africanos e defender um apoio internacional de alto nível que apoie os seus esforços. Estarei também activamente empenhado num diálogo de alto nível, que decorrerá paralelamente à Conferência sobre o Clima no início de Setembro em Nova Iorque, onde planeamos ajudar os PEID africanos a transformar as suas preocupações particulares em posições robustas para a sua participação nas negociações sobre as alterações climáticas que decorrerão em Lima, Dezembro próximo. 
 
Não nos deixemos enganar: as ameaças das alterações climáticas são taxativamente reais para os PEID. Tuvalu, um pequeno país, atol de corais, no Pacífico pode desaparecer numa questão de décadas se não forem adoptadas medidas urgentes para conter o aumento do nível do mar; um grande número das 115 ilhas das Seicheles aguardam pelo mesmo destino, bem como um número incontável de outras pequenas ilhas em torno de África e noutros lugares. 
 
As oportunidades perdidas apontam para uma espiral descendente de pobreza, doenças e múltiplas vulnerabilidades. Os pescadores, agricultores e pastores africanos não podem permanecer impassíveis, enquanto os impactos das alterações climáticas continuam a roubar os seus sonhos e a erodir a sua confiança, valores e meios de subsistência – eles aguardam ansiosamente por soluções concretas. Um estudo recente da UNICEF prevê que, no virar do século, quase metade da população infantil no Mundo, menor de 18 anos, será africana e um grande número desta mesma população viverá em pequenos estados insulares em desenvolvimento. É tempo de agir para moldar as vidas das gerações presentes e futuras.  Fonte: Aqui
Carlos Lopes