sexta-feira, 5 de setembro de 2014

CONVERSA DE ADULTO COM O MEU FILHO…

Numa bela tarde de inverno em Lisboa cheguei cedo a casa, mas estafado do trabalho, tomei banho e sentei-me no cadeirão a pesquisar os canais para saber as noticias do mundo. O meu filho de quinze anos também tinha chegado de escola e meteu a conversa comigo.
 
- Pai, porque que dizes sempre que o PAIGC libertou o nosso país há 40 anos, mas depois ouço-te também a dizer que mataram muita gente na Guiné? Tens medo de voltar para lá, pai?
 
A minha resposta ao meu filho foi a seguinte: - Filho, posso dizer que na verdade tenho medo, mas o meu medo não é de ser assassinado ou morto pela minha maneira de pensar. Porque a minha maneira de ver o mundo só a morte ma pode tirar. O meu maior receio é a falta de trabalho para os sustentar, a escola para vos educar, a saúde para vos tratar. Eu decidi sair para vir a Europa para arranjar trabalho, mas aqui não é a minha terra. Hoje sou um bom pedreiro. O meu umbigo foi enterrado na Guiné, em Binar. É verdade, meu filho, que o PAIGC é um saco cheio de “surpresas”. 
 
Está lá tudo, gente com virtudes e assassinos e egoístas! No tempo da luta contra os tugas na Guiné, eu não tinha idade, o meu pai contava-me que todos eramos a favor do PAIGC, mas aqueles que fossem a tropa dos tugas, muitos, colaboravam com os nossos, de uma forma secreta. O inimigo era comum, os tugas. 
 
A minha tia, por exemplo era casada com um senhor que era muito temível em Safim, mas como ela era vendedeira de carvão vegetal e esteira, fazia ligação entre os guerrilheiros e os que estavam na clandestinidade em Bissau. Trazia e levava mensagens para os guerrilheiros. O meu pai contou-me que levava em criança comida e fazia recados para os guerrilheiros em Tchok-mon, mas quando aderiu a milícia dos tugas nunca mostrou aos tugas o caminho para o acampamento dos combatentes do PAIGC.
 
- Ah é, a tia Ndingue que estava na foto com a tua mãe fazia isso?
Fazia, filho. Ela era muito corajosa. Ia ao mato, alugava camião e trazia mercadoria para vender em Bissau. Como estava a dizer, depois da independência esse espirito de solidariedade e de entreajuda acabou. 
 
Aliás, antes ainda, com o assassinato de Amilcar Cabral em Conacri, começou a matança. O meu pai contava-me que morreu muita gente inocente acusada de participação no assassinato do líder máximo. Dizem que a divergência que depois assistimos em Bissau, grande parte dela derivou-se desse momento negro da história do PAIGC. 
 
No princípio, era o tempo em que só havia o PAIGC, os outros partidos só surgiram nos princípios dos anos noventa com o multipartidarismo. 
 
O PAIGC fazia o que lhe apetecia. As Forças Armadas era braço armado do partido, pelo que podiam alcançam quem eles quisesses, fosse ele opositor ou marido cuja mulher o chefe simplesmente cobiçava, etc.  Fizeram tanto isso que até passaram a matar uns aos outro. Lembras-te que te falei uma vez do caso 17 de Outubro?
- Sim, pai, lembro-me. Até disseste que mataram um grande advogado, que Nino Vieira tinha convidado em Lisboa para trabalhar na Guiné…
 
- Sim, o nome dele era Viriato Pã. Não foi só esse, mandou prender e matar muitos oficiais das Forças Armadas que asseguraram a nossa luta nas matas pela libertação. Nino Vieira prendeu e matou inclusivamente gente que o libertou da prisão em Catió. Depois a matança era dirigida contra um grupo étnico, os balantas. A partir daí, meu filho, tudo se mudou. Não te falei, havia também um período em que não se podia falar contra Unidade de Guiné e Cabo Verde, o tempo de Luís Cabral. 
 
Quem falasse contra os cabo-verdianos era considerado opositor e podia ser preso e morto.
- Tanta coisa, pai…
- É verdade. O povo da Guiné-Bissau sofreu muito e continua a sofrer com os políticos do PAIGC. 
 
Depois da morte de Cabral, foi a debandada total. Parecia ter-se libertado os toiros do curral. Cada político com a sua agenda pessoal. Dizem todos unidos, mas cada um é lobo do outro. O que acontece hoje, é que os políticos perderam o controlo das Forças Armadas. Já não é o braço Armado de ninguém, mas de todo o povo. Por isso, aqueles que hoje ainda, com a sua agenda querem controlá-las é que as injuriam. É fácil de ver filho, onde está o poder do dinheiro, se é nos militares ou nos políticos.
 
- É verdade, pai, disseste-me uma vez que os antigos combatentes viraram moços de recado e empurravam carrinhos de compra no mercado de Bandim, que os graduados carregavam nos seus ombros sacos de arroz, que os quartéis eram uma autêntica pocilga, que não tinha boa comida, ligaduras pensos, coisas assim…
 
- E isso, filho. Nesse partido parece que não existe mais nacionalistas e patriotas. O PAIGC em si, também não parece um partido nacionalista. O que pose esperam de um partido que junta dois países num só. Tem lá gente de todo tipo. Gente que pensa como cabo-verdianos, gente que têm nojo das etnias, gente que estão lá que vêm tudo que seja oposição é tribalista. Dentro do PAIGC existem, filho, por incrível que pareça, caminhos antagónico. Há inclusive amigos jurados de morte.
 
- Pai, talvez a nossa sorte é que até agora não alcançaram as forças armadas para manipular e fazer a desgraça…
- Concluíste bem, meu filho! Podes ir para cama, já é muito tarde, amanhã continuamos a nossa conversa.