segunda-feira, 25 de maio de 2015

Opinião: PAN-AFRICANISMO COMO VETOR DE EMANCIPAÇÃO AFRICANA: CONTRIBUIÇÃO SIMBÓLICA DE AMÍLCAR CABRAL

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A UA (União Africana), atual OUA (Organização da união africana), completará 53 anos desde a sua fundação em maio de 1963 em Adis Abeba, capital da Etiópia, país que tem uma História ímpar no quesito colonial. Este ano a agenda está mais voltada para questão de gênero o empoderamento da mulher na agenda 2063. No entanto vou fazer gosto à memória do que foi o pan-africanismo ao longo dos tempos como movimento que deu origem a UA e depois OUA, e a contribuição de Amílcar Cabral no processo de sua construção e, também sobre a mulher, que de uma forma especial, sempre merecia a atenção de Cabral.
 
O ataque italiano contra o reino de Etiópia do Imperador Hailie Selassie tem um marco indelével para o movimento, pois foi o momento mais alto de solidariedade africana, ao contrário do mito da “solidariedade africana”, que enterrou vários dos seus filhos (Lumumba, Nkrumah, Mondlane, Dulcie Spencer, Cabral e Mohamed Kadafi).

 Não obstante, Williams Silvestre ter sido quem deu o pontapé inicial do pan-africanismo no mundo, o movimento de libertação africana teve vários rasgos e definições, como mencionou o Dr.Carlos Lopes numa palestra em Lisboa durante a semana da CPLP, sob o tema “CPLP na era de globalização”. Existe um pan-africanismo voltado para o território, outro mais para a terra (regresso à mãe África), outro cultural e outro que defendia mais um pan-africanismo progressista do futuro.
O fato do pan-africanismo ter sido germinado fora de África, por aqueles que tinham uma necessidade de se auto-identificar com suas origens, fez com que algumas idéias não rimasse com a realidade africana existente no momento.
 
Se começasse este artigo dizendo que o pan-africanismo Nkrumaniana (Kwame Nkrumah), Jomo Keniataniana (Jomo Keniata) e Garvreiana (Marcus Gavrei) pensaram seriamente sobre a libertação da África de jugo colonial e imperialista, mas não pensaram no desenvolvimento da África, muitos poderiam não concordar. Por isso gostaria de convidar meu caro leitor de O Democrata, com todo respeito, a fazer o uso do materialismo histórico (análise de história) de Karl Marx. Os dois grupos que são: equipe de Monróvia e Casa Blanca, tinham um mesmo objetivo, mas se antagonizavam em certos aspectos.
 
Como citei no prelúdio, o pan-africanismo foi esboçado primeiro por Henry Silvester Williams. A sua ideia chave era a defesa dos negros no mundo inteiro contra a exploração e abuso. O americano W.E.B. Du Bois retomou o tema, mas deu‐lhe um conteúdo a volta de direitos. Quando George Padmore, de Trinidade, e Kwame Nkrumah, do Gana, entraram em cena e se juntaram a Du Bois, Jomo Kenyatta, do Quénia, ou do jamaicano Dudley Thompson, e realizaram o Congresso Pan‐Africano de Manchester, em 1945, o seu manifesto girava em torno da necessidade das independências africanas.
 
O próprio Nkrumah vai passar por várias fases da evolução política do seu pensamento sobre o pan‐africanismo. A formação da OUA, em Maio de 1963, quando Nkrumah já era o presidente do seu país, marca o nascimento de uma visão mais pragmática e menos idealista do pan‐africanismo, apesar de este continuar a proclamar a completa integração do continente. Entre a visão de Du Bois e a do jamaicano Marcus Garvey o debate é também polarizante: uns querendo direitos, outros, lutas. [Devés‐Valdés, 2008].
 
O equívoco de uma África una e indivisível, com uma única cultura e identidade, como preconiza Nkrumah e sua equipe após sua integração, não levou em consideração a heterogeneidade do continente e suas culturas. Aí entra Frantz Fanon, o contato de séculos e experiências racistas teria levado os africanos a idealizarem um pan-africanismo mais de raça do que propriamente um pan-africanismo que pensasse em África após a independência. O discurso que se fazia ouvir era unicamente expulsar, expulsar e expulsar colonização e os “brancos” e raramente se falava sobre o tipo de desenvolvimento que poderia ter o continente uma vez alcançada a liberdade.
 
Todavia, na minha visão, o movimento tem um mérito inegável e momentos de glória, a medida que exigia a libertação do continente mais sofrido. Mas o desentendimento dentro do movimento, levou-o a uma queda mais rápida da pretensa unidade africana. Mas se tem algo que o colonialismo tem e deu de bom aos africanos, foi a ideia de pensar na unidade dos africanos, isto sem nenhum filantropismo ou amenidade.

 Kuame Nkrumah e Nyere, que eram cabeças do grupo de Monróvia, e eram talvez menos radicais em relação a equipe de Casablanca, demonstravam abertamente as clivagens do pan-africanismo enquanto movimento. Monróvia pretendia unir os negros da sub-região ao projeto de unidade africana com uma única história e cultura, talvez por isso Ivaldo França Lima, brasileiro, na sua tese de doutorado em História “O pan-africanismo e suas ressonâncias no Brasil contemporâneo”, referiu-se ao grupo de Nkrumah como racista e igualou-lhes as teorias de Darwin, o que também considero exagero.
 
Mas o fato destes quererem homogeneizar a África como una e indissociável, levou o próprio Fanon a discordar de Nkrumah em Acra, ao demonstrar seu descontentamento com o discurso dele. A equipe de Casablanca queria apenas uma libertação de extensão geográfica e não continental como queria Nkrumah e companheiros. Essa ideia de Nkrumah era visível até na independência de Angola, onde mais uma vez se verificou a discordância dos movimentos pan-africanistas. A equipe de Monróvia queria um governo de unidade entre as forças de MPLA, que controlava centro de país, UNITA, que controlava norte e FNLA que controlava parte Sul e a fronteira com Congo belga, ao passo que a equipe de Monróvia, onde estava Haile Selassié e companheiros, queriam a independência de MPLA. Os golpes de estado que, os presidentes vão sofrer logo no início das repúblicas em África, tem a ver com o antagonismo do pan-africanismo ideal e sua crise de posicionamento no mundo bipolar entre URSS E EUA.
 
Bem, não estou a culpar o pan-africanismo pelo atraso do continente africano, mas quero demonstrar que ele poderia ter mais perspectivas de um futuro melhor para África ao invés de passar o tempo no conceito raça e território. Mas, talvez isso não acontecesse, pois quando o panafricanismo tinha mais força e era vivo, nenhum país lusófono estava independente e por isso o modelo proposto por Amílcar Cabral não se fez tanto sentir na altura, ao contrário de hoje. Aliás, no ano de 2013 ele foi um dos homenageados pela sua contribuição singular pelo ideário de um pan-africanismo mais ético. Afinal foi Cabral quem falou em “reafricanização dos espíritos”. Isto passa necessariamente, como dizia ele, para o conhecimento do próprio continente, ter uma consciência de homens comprometidos com o bem-estar da África amanhã, personalizar o ser africano, porque a Antropologia colonial de XIX, proclamada por Darwin e Frazer, havia descaracterizado o homem africano e o colocado contra sua própria História e cultura.
 
Cabral definiu luta armada como fator cultural e não racial, assim como pensava Nkrumah, afinal se a África não lutar por sua cultura não valerá a pena entrar na Guerra, porque amanhã tudo será o mesmo, como não é diferente hoje. Ele aconselhou a não fazer confusão entre exploração e cor de pele, porque mesmo entre os africanos existem os que exploram o outro, isto só para esfriar o pretenso moralismo africano.
 
Permitam-me contar uma História a quando da Segunda Guerra Mundial. A Inglaterra sofria déficit financeiro naquele momento e o presidente convidou o ministro das finanças para tomar algumas medidas de austeridade (alguns cortes) em determinados ministérios. O ministro propôs logo que fizesse corte no orçamento para Cultura. O chefe do governo, estarrecido, lhe disse: Então a nossa guerra é para quê? Pensei que estávamos a guerrear para preservar a nossa cultura, para isso usamos armas químicas, mísseis, aviões, barcos etc. Mas tudo para manter a nossa cultura, para que amanhã os nossos filhos não falem alemão sem querer, e estudem somente sobre cultura alemã.
 
Com isto, quero demonstrar ao caríssimo leitor d’O Democrata, que Amílcar Cabral talvez foi quem melhor definiu a luta armada de libertação em África e como deveria ser a luta do pan-africanismo. Deveria estar mais atrelado à cultura e ao povo do que à raça, porque, dizia Cabral, teorias como a Antropológica do século XIX, só convencem uma mente doente. Cabral, ao contrário de muitos pan-africanistas, nunca aceitou, ou assumiu protagonismo da luta e dizia “se há um herói no meu país, este é o povo”.
 
A relação entre cultura e história encontra em Cabral um grau de sofisticação que o faz aparecer em todos os livros atuais sobre filosofia africana. [Hallen, 2002] A sua contribuição destaca‐se pela originalidade em usar categorias de análise marxistas sem nunca cair no mimetismo de Nkrumah e outros líderes da época. Cabral recusava rótulos e posicionava‐se sem complexo de inferioridade ou facilitismo. Era rebuscado. (Carlos Lopes-Jan pag-12013).
 
Anteriormente, falei do desagrado de Frantz Fanon, que não gostou do discurso do mito africanista de Nkrumah, que foi um dos inspiradores de Cabral, e da própria ideia de renascimento africano pertencente a CNA (congresso nacional africana) liderado por Nelson Mandela. Mandela, que atribuía uma grandeza à Cabral.
 
Em abril, o diplomata e embaixador emérito finlandês Mikko Pyhala, considerou Mandela e Cabral como os melhores pensadores africanos. Sempre que se referia à Mandela como Grande, ele citava Cabral, também como grande. Uma matéria de DW (Deutsche welle) contou que no seu livro de memórias, “A Ponta da Navalha”, o jornalista francês Gérard Chaliand, que acompanhou e divulgou a Luta de Libertação na Guiné-Bissau, conta que quando disseram a Nelson Mandela “tu és o maior”, Mandela replicou com toda a simplicidade, “não o maior é Cabral”. Olhem que Mandela nem conheceu Cabral pessoalmente.
 
Amílcar Cabral deve ter sido o líder africano que teve um melhor relacionamento com as mulheres, basta olhar como o PAIGC, idealizado por ele. Cabral trabalhou a questão da mulher quando ela ainda era estigmatizada no ocidente nos anos 60 e seguintes. Em 1966 o Comité Central do PAIGC inicia a mobilização das mulheres da Guiné-Bissau e Cabo Verde para a guerrilha. “Era uma vontade de Amílcar Cabral ter as mulheres a seu lado e em cargos de topo”, lembra a partir de Cabo Verde, Olívio Pires, comandante da Frente Leste na Guiné-Bissau antes de assumir a representação do PAIGC no exterior.
 
Senghor, apesar de inspirar o poema “femme nu femme noir”, que representava África como mulher e os percursores do pan-africanismo não se debruçaram sobre as mulheres, que mais sofriam com a colonização por vários motivos, portanto Cabral teve a felicidade, graças a sua maturidade política de desenhar um modelo de pan-africanismo, que no meu ver seria ideal para África, um modelo voltado para cultura no seu sentido mais lato. Ele queria que o negro africano se reencontrasse a si mesmo e lamentou que isto só fosse possível através da luta armada. Isto levou Amílcar a dizer e explicar que os africanos não gostam de guerra, mas, a guerra era o meio que lhes restava para ganhar sua dignidade novamente enquanto homem. Umas das características mais importantes de Cabral era o reconhecimento do outro que ele tinha, demonstrou isso no funeral de Nkrumah, no famoso “discurso do câncer”.
 
Apesar de todo este esforço feito e dos erros cometido na tentativa de acertar, a África continua padecendo de graves sequelas como, guerras intermináveis, fome, genocídios, debilidade econômica e etc. Aliás, não tenho ideia se a UA discutirá a questão dos conflitos entre religiões,
Lampedusa e conflitos recentes. É a esperança de todos os africanos que a África se encontre um dia, e que possa realizar os sonhos de seus dignos filhos. Apesar do esforço de um desenvolvimento, a África continua sendo vista pelo prisma de instabilidade e pobreza.

“Os nossos jovens devem ser cidadãos do mundo. Devem conhecer a História da África e dos outros continentes. Não nos queremos encerrar num esquema individual, numa cultura específica, num mito tradicional, queremos viver como os outros, com os outros medirem-nos com todo mundo, negros, brancos e amarelos”. Amílcar Cabral.
Por: Tamilton Gomes Teixeira
Graduado em Ciências Humanas
Especializando em Sociologia