quarta-feira, 16 de março de 2016

EM DIRECÇÃO A UMA NOVA GUERRA NO LÍBANO

 
 
Desde Maio de 2008 que o Líbano não cumpre, mais, a sua própria constituição e não tem sequer orçamento. O país, hoje em dia à deriva, tornou-se uma presa fácil para Israel. O falhanço da operação contra a Síria conduz o partido colonial a buscar um novo alvo. Se uma segunda guerra civil pode ainda ser evitada, será difícil impedir uma nova invasão.
 
Desde o acordo de Doha e da eleição anti-constitucional de Michel Sleiman como presidente da República, em 2008, o Líbano não teve nenhum acontecimento político marcante até Agosto último. No decurso dos sete últimos meses o país foi sacudido, aquando da «crise do lixo», por manifestações susceptíveis de desembocar numa segunda «revolução dos Cedros», depois por uma crise de confiança com a Arábia Saudita e seus aliados, finalmente por uma condenação internacional do Hezbolla. Três acontecimentos que, avaliados separadamente, parecem explicar-se por si próprios e não conduzem a nada. No entanto…
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Odor pestilencial em numerosas comunas do Líbano onde os lixos não são, mais, recolhidos.
Em Agosto de 2015, começou subitamente a «crise do lixo»: o Estado não conseguiu renovar o contrato de recolha das lixeiras pela sociedade Sukleen. Em poucos dias, todo o país se tornou uma vasta lixeira com os resíduos amontoando-se nas ruas. Desencadearam-se manifestações acusando o governo de incúria. Rapidamente milhares de manifestantes gritavam, no centro da capital, que os próprios políticos eram lixo, pilhando o Estado em detrimento dos cidadãos. Os média sugeriam um início de revolução colorida comparável à «revolução do Cedro», organizada pelos Estados Unidos após o assassinato do antigo Primeiro-ministro Rafik Hariri; outros média falavam de uma extensão da «Primavera Árabe» [1]. No fim, a fúria popular caiu porque o sistema comunitário único do Líbano —imposto pela França— prende cada cidadão à sua comunidade religiosa e o impede de se posicionar quanto às questões nacionais.
 
Todavia, sete meses mais tarde, a crise do lixo ainda não está resolvida. Claro, a capital e as grandes cidades são limpas, mas em muitas regiões, as lixeiras acumulam-se espalhando um odor nauseabundo. A persistência e propagação deste problema tem consequências em matéria de saúde pública. Os vírus propagam-se e quase todos os Libaneses caiem episodicamente doentes. Têm também consequências económicas. De facto, o turismo, a principal fonte de receita (renda-br) oficial do país, está em grave queda.
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O terraço do Petit Café em Beirute, frente ao rochedo, está vazio. Os clientes do Golfo desertaram.
A segunda crise começou com a anulação do donativo saudita de 3 biliões de dólares ao Exército libanês [2]. Na realidade, este «donativo» era o pagamento feito ao exército libanês por ter destruído o testemunho de Majed al-Majed, o qual tinha detido durante o seu transporte em ambulância, a 26 de Dezembro de 2013. O célebre terrorista era o representante do príncipe Bandar bin Sultan no Levante. Ele era suspeito de conhecer, pessoalmente, o conjunto dos políticos que apoiam secretamente os jiadistas. O seu testemunho teria colocado gravemente em apuros o reino saudita. O homem teve o bom senso de morrer, ao fim de alguns dias de detenção, sem que o seu detalhado testemunho fosse gravado [3].
 
Para justificar o cancelamento do seu «donativo», Riade evocou a reação do Líbano quanto à execução do Xeque Nimr al-Nimr Baqr. A 2 de Janeiro de 2016, a petro-ditadura tinha, com efeito, decapitado o chefe da sua oposição. Ora, acontece que esta personalidade era um religioso xiita, o que levantou uma onda de indignação em todas as populações xiitas do mundo, incluindo no Líbano [4]. A Arábia Saudita mobilizou os seus aliados para afirmar o seu direito, absoluto, a matar quem lhe apetecer entre seus súbditos, enquanto o Líbano se mantêm prudentemente reservado. Riade decidiu ver nisso uma forma de ingratidão em relação aos biliões despejados, durante anos, para apoiar o 14-Março, quer dizer a coligação de partidos comunitários libaneses colaborando com Israel.
 
Acima de tudo, Riade decidiu afundar a economia libanesa interditando aos seus súbditos vajar para o Líbano e fazendo estender esta interdicção aos Bareinitas e aos Emiradenses. Privados dos seus turistas do Golfo, os comércios e os bancos entraram imediatamente em recessão.
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A Al-Manar é o único meio de comunicação do qual disporia a Resistência libanesa em caso de agressão israelita. Durante a guerra de 2006, o Hezbolla conseguiu fazê-la funcionar apesar dos gigantescos bombardeamentos do Tsahal. Em caso de corte da antena, só a versão ocidental dos factos seria divulgada
A terceira crise é a que envolve o Hezbolla. Esta rede de resistência, à ocupação israelita, transformou-se progressivamente em partido político e participante no governo. Principalmente apoiada pela Síria no período de 1982-2005, ela volta-se, gradualmente, para o Irão após a partida do Exército Árabe Sírio do Líbano. No período 2006-2013, recebe um arsenal considerável dos Guardas da Revolução iranianos. No entanto, desde a eleição do Xeque Hassan Rohani, no Irão, o Hezbolla prepara-se para uma ruptura e desenvolve as suas próprias fontes de financiamento, apoiando-se na diáspora libanesa e/ou xiita no estrangeiro, principalmente em África e na América Latina. No seguimento da assinatura do acordo 5+1 com o Irão, a 14 de Julho de 2015, o Hezbolla empenha-se contra os jiadistas ao lado do Exército Árabe Sírio, ao mesmo tempo que se distancia progressivamente de Teerão.
 
A 16 de Dezembro de 2015, o Congresso dos E.U. adoptou, por unanimidade, uma lei interditando aos bancos trabalhar com o Hezbolla, ou organismos ligados à Resistência libanesa, e visando cortar a difusão da estação de televisão Al-Manar [5]. Este texto reforça um outro datando de 2014. De imediato, o Tesouro impôs sanções contra Ali Youssef Charara, CEO do Grupo Spectrum Investment, acusado de participar no sistema de financiamento da Resistência [6]. A lei norte-americana foi seguida por uma resolução do Conselho de Cooperação do Golfo, depois pelos ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros da Liga Árabe, qualificando o Hezbolla de «movimento terrorista».
O dispositivo está agora completo: a economia libanesa está arruinada, e o princípio de Resistência à ocupação israelita é assimilado ao terrorismo. O canal de televisão Al-Manar não deverá estar, mais, disponível através do Nilesat e do Arabsat, limitando consideravelmente a sua audiência.

Duas opções são agora possíveis para Washington e Telavive: ou, uma guerra convencional, como em 2006, ou —mais simples e mais discreto— uma guerra civil, como o Líbano conheceu entre 1975 e 1990. O último presidente constitucional do Líbano, Emile Lahoud, apela a uma reforma imediata da lei eleitoral, de maneira a que o próximo Parlamento não seja representativo das comunidades religiosas, mas, sim da população. É o único meio de evitar a guerra civil.
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução Alva