Julian Borger* - O Diário.info
Enquanto a máquina mediática imperialista prossegue a barragem de desinformação e propaganda sobre o “armamento nuclear” do Irão e as “armas químicas” Sírias, faz silêncio sobre o único Estado do Médio Oriente que detêm um poderoso arsenal tanto de armas químicas como de ogivas nucleares, o Estado de Israel. Arsenal que foi criado secretamente com a activa cumplicidade dos EUA, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha e de outros países capitalistas possuidores dos materiais e da tecnologia necessária.
Na profundeza das areias do deserto, um acossado Estado no Médio Oriente construiu uma bomba nuclear secreta, utilizando tecnologia e materiais fornecidos por potências amigas ou roubados por uma rede clandestina de agentes. Eis o material das novelas baratas de suspense e o tipo de narrativa frequentemente utilizado para caracterizar os piores temores acerca do programa nuclear iraniano. Na realidade, entretanto, nem os serviços de inteligência estado-unidenses ou britânicos crêem que Teerão tenha decidido construir uma bomba, e os projectos atómicos do Irão encontram-se sob constante acompanhamento internacional.
Todavia a exótica história da bomba oculta no deserto é verdadeira. Apenas se aplica a outro país. Por meio de um extraordinário conjunto de subterfúgios, Israel conseguiu juntar todo um arsenal nuclear subterrâneo – estimado agora em 80 ogivas, o que o coloca a par da India e Paquistão – e inclusivamente há quase meio século ensaiou uma bomba, perante um mínimo de protestos internacionais ou mesmo de muita percepção pública do que estava a fazer.
Apesar do facto de o programa nuclear de Israel se ter tornado um segredo de Polichinelo desde que um técnico descontente, Mordechai Vanunu, o revelou em 1986, a posição oficial de Israel continua a ser de nem confirmar nem negar a sua existência.
Quando o ex presidente do Knesset [parlamento israelita], Avraham Burg, terminou no mês passado com o tabu, declarando que Israel possui armas nucleares e químicas e descrevendo a política oficial de reserva absoluta como “obsoleta e infantil”, um grupo direitista solicitou formalmente uma investigação policial por traição.
Entretanto, governos ocidentais alinharam no jogo com a política de “opacidade” ao evitar qualquer menção do tema. Em 2009, quando uma veterana jornalista em Washington, Helen Thomas, perguntou no primeiro mês da sua presidência a Barack Obama se tinha conhecimento de algum país no Médio Oriente possuidor de armas nucleares, este esquivou-se ao tema dizendo apenas que não queria “especular”.
Os governos do Reino Unido têm actuado geralmente da mesma forma. Interrogada em Novembro na Câmara dos Lordes acerca das armas nucleares israelitas, a baronesa Warsi enveredou pela tangente: “Israel não declarou um programa de armas nucleares. Conversamos regularmente com o governo de Israel sobre uma serie de temas relacionados com o problema nuclear”, disse a ministra. “O governo de Israel não tem duvidas sobre os nossos pontos de vista. Incitamos Israel a converter-se num Estado parte do Tratado de Não Proliferação Nuclear [TNP].”
Mas através das fissuras deste muro de pedra continuam a emergir mais e mais pormenores sobre como Israel construiu as suas armas nucleares com componentes contrabandeados e tecnologia roubada.
A história fornece um contraponto histórico à actual e prolongada luta relativamente às ambições nucleares do Irão. O paralelo não é inteiramente exacto – Israel, ao contrário do Irão, nunca subscreveu o TNP de 1968, de modo que não poderia violá-lo. Mas é quase seguro que violou um tratado que proíbe ensaios nucleares, bem como inumeráveis leis nacionais e internacionais que restringem o tráfico de materiais e tecnologia nucleares.
A lista de nações que venderam em segredo a Israel o material e o know-how para construir ogivas nucleares, ou que fizeram vista grossa ao seu roubo, inclui os mais acérrimos inimigos da proliferação: EUA, França, Alemanha, Grã-Bretanha e inclusivamente a Noruega.
Entretanto, agentes israelitas encarregados de comprar material físsil e tecnologia avançada chegaram a integrar alguns dos estabelecimentos industriais mais impenetráveis do mundo. Este atrevido grupo de espias de notável êxito, conhecido como Lakam, o acrónimo hebreu para o Gabinete de Relação Científica (de ressonância inócua), incluía personagens tão pitorescos como Arnon Milchan, o multimilionário produtor de êxitos de Hollywood como Pretty Woman, LA Confidential, e 12 Years a Slave, que no mês passado admitiu o papel que desempenhou. Leia mais
*Julian Borger é editor diplomático do Guardian. Antes foi correspondente nos EUA, Médio Oriente, Europa Oriental e nos Balcãs.
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