quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

NA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA, A LIMPEZA ÉTNICA ESTÁ A SER FEITA ÀS CLARAS

Perseguições e assassínio de muçulmanos sucedem-se desde o início do ano. Milícias cristãs vingam-se de meses de abusos. Amnistia Internacional critica falta de “vigor” das forças internacionais.
Soba Tibati mal podia andar por causa do reumatismo e não conseguiu fugir quando milícias anti-balaka atacaram em Boyali, aldeia a cerca de 130 quilómetros a noroeste de Bangui. “Decapitaram-no à minha frente, sentado numa esteira de palha, debaixo de uma árvore, fora da nossa cabana”, contou o filho, Dairu, que perdeu também outros 12 familiares, entre eles sete primos, incluindo uma bebé de seis meses.
No ataque foram mortos 30 muçulmanos. Foi a 8 de Janeiro, logo depois de as forças Séléka, coligação de antigos rebeldes muçulmanos, que governou e impôs o terror no país entre Março e Dezembro de 2013, ter abandonado Boyali. O caso da família de Dairu, que ferido numa coxa conseguiu fugir, é um dos muitos documentados num relatório divulgado esta quarta-feira pela Amnistia Internacional sobre “limpeza étnica” de muçulmanos na parte ocidental da República Centro-Africana.
Centenas de civis muçulmanos foram mortos e largos milhares têm sido forçados a fugir das perseguições das milícias anti-balaka, predominantemente formadas por cristãos que serão movidas por sentimentos de vingança pelos anteriores massacres da coligação Séléka. Organizações como a Human Rights Watch também já alertaram para o cenário de toda a população muçulmana, calculada em 15% do total, ter de deixar o país.
A Amnistia documentou repetidos ataques e actos de terror contra muçulmanos civis ocorridos em Janeiro em Bouali, Boyali, Bossembélé, Bossemptélé, Baoro e Bawi, e também na capital, Bangui. E recolheu informações que considera credíveis sobre ataques em Yaloke, Boda e Bocaranga. “Para além de causarem morte e destruição, os ataques contra muçulmanos foram cometidos com a intenção declarada de forçar uma saída do país”, indica a Amnistia.
Muitos anti-balaka consideram que os muçulmanos são “estrangeiros” que deveriam ser mortos ou abandonar o país. Os seus actos de violência levaram já à partida forçada de um elevado número – dezenas de milhares, segundo os investigadores no terreno. “Muitas localidades estão agora esvaziadas dos antigos habitantes muçulmanos”, denuncia a organização de direitos humanos, que classifica a situação como uma “tragédia de proporções históricas” que causa “danos tremendos” ao país e é um “precedente terrível” para a região.
“Chacinadas à nossa frente”
Exemplos da fúria sectária em nome de religião, em que à violência se responde com violência, não faltam. Em Baoro, cidade do noroeste, Oure, uma mulher muçulmana viu os quatro filhos e três sobrinhos, todos rapazes com idades entre oito e 17 anos, serem mortos pelos anti-balaka. “Mataram os meus filhos sem piedade”, contou. Oure, as duas irmãs, a mãe de 75 anos e sete dos mais novos da família tinham saído de casa para irem à mesquita, quando foram interceptados por uma milícia. “As crianças foram chacinadas à nossa frente”, disse, a soluçar. Foi a 26 de Janeiro. Leia mais - Publico.pt