Bem podia o Ministro dos Recursos Naturais, Daniel Gomes,
poupar-nos com a sua verborreia sobre os “desejos de Cabral”, ao referir-se no
dia 3 de Setembro, a importância do Porto de Buba para a sub-região, para a
nossa economia e para a exploração de jazigos de bauxite de Boé. Pois, é desejo
de todos nós guineenses! Em vez de o senhor Ministro, que até reconhecemos o
patriotismo, mencionar Cabral que há
mais de 40 anos o PAIGC deitou no capim, o Ministro devia citar, isso sim, a
nossa constituição e a lei sobre investimentos privados e estrangeiros no nosso
país, a bem da transparência e da legalidade.
Nesta discussão, não queremos misturar o desejo do povo pela
construção de um porto de águas profundas em Buba e exploração dos nossos
jazigos minerais com a questão da legalidade ou não, dos “acordos”, dos “projetos”
de exploração e de construção de jazigos, de portos e de caminho-de-ferro.
Ora, os “projetos” que foram abandonados devido ao golpe de
Estado de 12 de Abril de 2012, tiveram uma história, que vamos tentar abordar
aqui de forma mais breve possível. Dizem que em Março de 2007, o ex-Chefe de
Estado guineense, Nino Vieira, no lançamento da primeira pedra para a
construção de uma ponte sobre rio Cacheu, em S. Vicente, terá manifestado o
desejo de outros projetos que ficaram parados, nomeadamente a construção do
porto de Buba e da estrada Quebo-Boké, devido
à instabilidade política, pudessem ser materializados em tempo útil. Segundo a
imprensa estrangeira, na ocasião, Nino Vieira terá destacado a particularidade
do financiamento ter vindo de uma iniciativa de “solidariedade” por parte de
Angola, em que até dizia “país irmão de história e de sangue”, com a
participação de empresa brasileira e guineense, numa clara alusão a
necessidade de valorização da cooperação Sul-Sul. Consta, portanto, que terá
sido, a partir desse momento (Setembro de 2007) que a empresa angolana “Bauxite
Angola” - pioneira em Angola na prospeção e extração de bauxite, constituída
por uma parceria de capitais públicos e privados angolanos e estrangeiros – encontrou
os fundamentos que explicam o fato de ter sido concedida os direitos de
prospeção, exploração e de processamento do minério em questão antes da sua
exportação, num prazo de 25 anos renováveis, sob a supervisão do Ministério dos
Recursos Naturais e Ambiente da Guiné-Bissau. Explicam ainda que a coordenação para
a execução das obras era, inclusivamente, repartida em subsectores: o
portuário a cargo da Aprebras (empresa brasileira); estrada de escoamento de
produto desde Munhime a Buba seria executada pela empresa Arezici (empresa
libanesa).
Se assim fosse, vamos
depois ver que em Maio de 2009 a Guiné-Bissau e Angola assinam um “acordo de
exploração” conjunta do bauxite na região de Boé. O acordo foi rubricado
pelos senhores, Soares Sambú (Guiné-Bissau) e Higino Carneiro (Angola),
respetivamente, Ministro dos Recursos Naturais e das Obras Públicas. O referido
“acordo de exploração” também se chamava “projeto”. Talvez, por isso, o
Ministro Sambú anunciou na altura que se iria criada uma “sociedade
anónima” de capital comum. Como se pode ver, até aqui não existia empresa
nenhuma com outorgada a explorar o bauxite. O Ministro Sambú informara também a
imprensa que a “Bauxite Angola” concedeu ao governo guineense 13 milhões
de dólares (9,4 milhões de euros). Para quê? A anunciada “sociedade”
seria, então, na visão do Ministro guineense, constituída por três acionistas,
nomeadamente uma empresa pública guineense, com 10 por cento das ações,
uma outra angolana, com 20 por cento, e a “Bauxite Angola”, com os restantes 70
por cento. Estimava-se que as reservas de jazidas de bauxite na região de Boé atingissem
as 110 milhões de toneladas. As jazidas confirmadas tinham já sido
classificadas em “C1C2″, numa margem de
sondagem de 100 metros por 100 e de 200 metros por 200
Em Outubro de 2010, o
ex-Primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, na abertura da
Semana de Negócios da CPLP, fez anúncio de que o país possuía “importantes
reservas” do bauxite, fosfatos e petróleo e que contava com o sector
privado local e dos países lusófonos para promover a economia. É preciso
referir que o negócio, na perspetiva do ex-Primeiro-ministro, Carlos Gomes
Júnior, era reservado apenas aos empresários dos países da língua portuguesa.
Aqui, a economia deixou de ser aberta ao mundo. A CEDEAO e a sub-região iria
ser vista apenas como vantagem de mercado com cerca de 300 milhões de
potenciais consumidores.
É escusado referir-se
que, na Guiné-Bissau, são reconhecidas todas as formas de propriedade. O
Estado, no seu Artigo 13.° da Constituição, pode dar por concessão às
cooperativas e outras pessoas jurídicas, singulares ou coletivas, a exploração
da propriedade estatal, desde que sirva o interesse geral e aumente as riquezas
sociais. Na nossa terra, os recursos geológicos onde entrariam figuradas as
riquezas minerais, não fazem parte do significado “Terra” que engloba solo e
subsolo, propriedades do Estado. Resta, portanto, saber se esse “acordo de
exploração” ou “projetos” já se transformaram em “Sociedade” como havia sido
prometido? E se essa “Sociedade” foi a concurso público como manda a lei? Que
entidades outorgaram, em nome do Estado, nos contratos administrativos de
concessão mineira? José Mário Vaz, no seu discurso de tomada de posse como
Presidente da República não disse “(…) iria estar atento e vigilante no que se
refere ao flagelo do fenómeno da corrupção e sobretudo que chamaria ao meu gabinete
todos os dossiers relacionados com o abate das árvores e exploração ilegal dos
nossos recursos naturais a bem da nossa querida Guiné e das gerações vindouras.”?
O princípio da
legalidade não começa e termina no “Retorno à Ordem Constitucional”, como nos
querem inculcar. Em democracia, o princípio de legalidade, como alguma vez disse alguém, tem em
vista “(…) alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos
titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a
desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo
se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus
e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.”
Por
Nababu Nadjinal