sábado, 9 de maio de 2015

LINHA DIRETA COM VLADIMIR PUTIN


Enquanto o presidente Obama evita responder às perguntas dos seus concidadãos e não se pronuncia em público senão lendo os teletextos, o presidente Putin improvisou uma longa sessão de perguntas-e-repostas com o seu povo.
Thierry Meyssan* IN PG
As autoridades russas poucos documentos publicam sobre a sua visão do mundo. Assim, a emissão «Linha directa» com Vladimir Putin oferece-nos a oportunidade, rara, para avaliar a evolução da percepção das coisas por Moscovo. Para além da performance do presidente, que respondeu durante 4 horas às perguntas do seu povo, reter-se-á que a Rússia parece renunciar a regularizar as suas relações com os Estados Unidos e a preparar-se para um longo isolamento do Ocidente.
A 16 de abril último Vladimir Putin sujeitou-se a um inacreditável exercício : responder durante quatro horas, de enfiada, a perguntas dos seus compatriotas, ao vivo, em três canais de televisão e três estações de rádio. Os organizadores receberam durante a transmissão mais de 3 milhões chamadas telefónicas e colocaram 74 perguntas ao presidente [1].
 
Mesmo que certas questões tivessem sido claramente preparadas, outras foram improvisadas. As reações de Vladimir Putin mostram, com nitidez, o seu pensamento.
Como governar
Em primeiro lugar, o presidente explicou a sua visão das instituições sem fazer referência às categorias ocidentais de «República» (serviço do Interesse comum), ou «Democracia» (governo do povo pelo povo), nem ao conceito do seu conselheiro Vladislav Surkov de «Democracia soberana» (quer dizer, de uma gestão popular sem interferências externas).
 
Segundo ele, o papel do Estado é o de ajudar os seus cidadãos, e, o dos dirigentes políticos de manter a unidade do povo e a estabilidade. Assim explicou, que rejeitou esta ou aquela decisão ---que seriam razoavelmente desejáveis–- porque iriam quebrar a unidade do povo. Da mesma forma, ele opõe-se a alterações legislativas frequentes, afirmando que as pessoas não podem confiar em líderes que mudam constantemente as regras do jogo. Ele mostrou um desinteresse completo pelo tipo de gestão ocidental, com as suas isenções fiscais sectoriais e as suas dotações proporcionais aos rendimentos. Ao contrário, ele concebe o seu papel como o de ordenador dos grandes projectos e de um mentor de regras o mais simples possíveis.
 
A política económica
 
Como em todos os países, as perguntas dos cidadãos visavam primeiro os problemas económicos. A Rússia está a atravessar uma grave crise no seguimento dos embargos ocidentais (as pretensas “sanções”) e da baixa do preço mundial do petróleo. O poder de compra dos aposentados foi mantido, mas, considerando a inflação, o dos activos baixou cerca de 10%.
 
Para V. Putin, o principal problema vêm da baixa dos preços do petróleo e da queda das receitas que esta causou. Ele considera que o seu país se deve adaptar a estes novos dados que ameaçam prolongar-se. Os embargos, pelo contrário, não diminuem em nada a riqueza do país, mas obrigam-no a reorganizar-se. Eles permitem mesmo uma pausa, após o período de concorrência feroz que se seguiu à adesão à OMC. A Rússia deve aproveitá-lo para salvar a sua agricultura, parcialmente ameaçada. Ela deve fazê-lo para benefício dos seus agricultores, mas, também, por necessidade estratégica. O embargo mostrou que o país não era auto-suficiente e que a sua Segurança alimentar poderia ser ameaçada.
 
Vladimir Putin não acha que as manobras ocidentais — inclusive a manipulação de dívidas privadas para tornar, assim, o Estado em devedor — ameacem o sistema bancário russo. Ele estima poder chegar-se à estabilização do rublo antes do final de 2016.
 
A política externa
 
Definindo a sua política externa, V. Putin afirma não ter ambições imperiais. Ele critica mesmo o modo como a URSS impunha aos parceiros o seu próprio modelo económico e admite que a Rússia paga, hoje em dia, por esse erro.
 
Contudo, ele afirma a sua responsabilidade de proteger todos aqueles que, tenham ou não um passaporte russo, se definam como de cultura russa.
 
Instado a precisar quem são os inimigos da Rússia, ele cita o terrorismo, a xenofobia e o crime organizado. Ele ressalta que o seu país não visa a nenhum Estado como inimigo e implora aos outros Estados para agir de forma reciproca.
Dito isso, ele considera os E.U. como um império, mesmo se não os designa formalmente assim, e acusa-os de não ter aliados mas unicamente vassalos. Ele observa que eles adulavam Boris Yeltsin até este lhes fazer frente na Jugoslávia e que eles, então, o cobriram de insultos. De um modo geral, ele reprova-lhes o que ele criticou na URSS, a saber, tentar impôr aos outros o seu próprio modelo económico. E, conclui, que eles falharão da mesma forma e pagarão o preço.
 
A propósito da Ucrânia, ele considera que Washington manipulou as frustrações das pessoas falando-lhes de nacionalismo. Assim sendo, tomam a Rússia, que lá investiu 32.000 milhões dólares americanos, como um inimigo, e os Estados Unidos como um aliado, quando eles não investiram mais que US $ 5 biliões(bilhões-br). Ele diz que a Rússia perdeu por razões de política interna local, sem precisar que antigos aliados ucranianos do seu país ele põe em causa. Para ele, importa salvar as populações de cultura russa do Donbass e de Lugansk, razão pela qual ele entende fazer aplicar os acordos de Minsk.
 
Para definir as alianças russas, Vladimir Putin cita três organizações: 

os BRICS ;
a Organização do Tratado de Xangai ;
e a Organização do Tratado de Segurança Colectiva, que é uma aliança militar. 

Mas não a União económica eurasiática que parece ainda embrionária.
 
A política de Defesa
 
O presidente Putin cita o Czar Alexandre III, para quem a Rússia só tinha como verdadeiros aliados o seu Exército de terra e a sua Marinha. Ele confirmou que o seu país detêm, aproximadamente, as mesmas capacidades nucleares que os Estados Unidos e concluiu que se pode considerar, razoavelmente, esse ponto de vista tanto de um lado como do outro. Por fim, ele anunciou que, em 2020, 70% do equipamento militar terá sido actualizado. Os exércitos terão, pois, reencontrado o seu poderio de antanho.
 
A propósito dos Mistrais encomendados à França, ele notou que se tratou, na altura, mais de vir em ajuda dos estaleiros navais franceses que de preencher uma necessidade russa ; uma maneira elegante de não evocar os subornos compartilhados, préviamente, entre Nicolas Sarkozy e Dmitry Medvedev (que, então, ambicionava a apresentar-se contra ele à presidência). Ele anunciou que só exigirá o reembolso das somas envolvidas se elas não forem pagas. Deve-se reconhecer que a soberania e a fiabilidade da França já não são o que eram, desde o seu reingresso ao seio do estado-maior integrado da Otan, prosseguiu ele.
 
Interrogado sobre o Emirado Islâmico, ele observou que esta organização surgiu no Iraque, e, aproveitou os numerosos militares iraquianos que foram marginalizados pelo ocupante norte-americano e os poderes que ele colocou na chefia. Ele adverte contra o perigo que representam os expatriados russos, e dos ex-países soviéticos, que se juntaram ao Daesh(E.I.) e que podem regressar a casa para aí cometer atentados.
 
A vitória fundacional contra o nazismo
 
Vladimir Putin multiplica as alusões à «Grande Guerra Patriótica», quer dizer à Segunda Guerra Mundial e à luta contra o nazismo. É, com efeito, aos seus olhos o acto fundador da Rússia moderna, aquele pelo qual povos muito diversos se uniram em prol da sua liberdade comum. Ao fazê-lo, ele admite que a Revolução de 1917 tal como a criação da Federação, em 1991, não são os eventos federadores.
 
Esta referência obriga-o a denunciar, sem possibilidade de compromisso, a presença de nazis no poder em Kiev, enquanto a União Europeia se acomoda com isso muito bem. Ela permite-lhe, igualmente, sugerir que os Estados Unidos são os sucessores do IIIº Reich, o que ele já havia explicado, no passado, levantando violentas polémicas .
 
Thierry Meyssan* - Tradução Alva
[1] “Direct Line with Vladimir Putin” (Ing-«Linha Directa com V. Putin»- ndT), por Vladimir Putin, Voltaire Network, 16 April 2015.

Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).