
Por, Jorge Herbert
Fonte: IBD
Liberta das garras coloniais há mais de quatro décadas, a
nossa Guiné-Bissau continua vítima de um partido forçado à utilização da
guerrilha para a sua libertação que, no entanto, não conseguiu evitar o
prolongamento da guerrilha interna para o período pós-independência, inquinando
dessa forma a concretização do “programa maior de Amílcar Cabral”. A guerrilha
entre militantes desse partido prolongou-se apenas com o objetivo da libertação
individual de cada um desses militantes, enquanto a pobreza continua a castigar
todo o país.
Militar-se no PAIGC tornou-se, há muitos anos, na “Via
Verde” para a salvação de muitos políticos da nossa praça, que nunca deram
qualquer prova da sua capacidade profissional no mercado de trabalho.
A rápida aquisição de veículos de alta gama, que proporcionem
passeios com admirável conforto às jovens das nossas praças, que vão sendo
“acumuladas” como se de troféu tratassem, o início de construções megalómanas,
autênticas aberrações arquitectónicas e urbanísticas em qualquer canto da
periferia de Bissau e, ainda, passeios regulares para o estrangeiro, tornou-se
no objetivo da maioria dos militantes do PAIGC e da maioria dos políticos da
nossa praça.
Consequência da sua desorganização interna e de ser a porta
de acesso fácil ao bem-estar pessoal e familiar dos seus militantes, o PAIGC
foi acumulando “abutres” nas suas fileiras, ao ponto de se sobreporem
numericamente às “mamas” disponíveis no estado. Consequentemente, o partido foi
incrementando a guerrilha no seu seio, ao ponto de estar em risco do início de
um processo de autofagia.
O líder do partido libertador, em vez de arrumar a casa,
reforçar a sua liderança através da procura de consensos internos e até passar
depois para um processo de redimensionamento do partido, prefere refugiar-se
num grupo de poder que tenta aniquilar outro grupo que lhes impede de
prosseguirem o cumprimento dos seus objetivos e compromissos governativos!
O PAIGC, enquanto governo, assentou a governação num
populismo desenfreado, fruto da saga de investimentos de empresários estrangeiros,
alguns de credibilidade duvidosa, e, rapidamente caíram na malha da corrupção
que serviu de mote para o Presidente da República provocar a queda desse
governo.
O programa desse e, por conseguinte, do atual governo,
assenta os seus alicerces numa arriscada utopia, que pode hipotecar grande
parte dos interesses nacionais em mãos estrangeiras duvidosas.
Como se pode querer explorar a biodiversidade e o turismo,
hipotecando, sem concurso público, a exploração dessa área a um único
empresário, por um período de vinte anos?!
Como se pode desenvolver o turismo sem acautelar as
infra-estruturas básicas como a devida reestruturação da rede viária nacional,
a garantia do saneamento básico e redes de suporte sanitário e a adequada
formação dos atores nacionais que participariam nesse suposto programa de
desenvolvimento?
Como se pode pensar em ter uma Companhia Nacional de Aviação
Civil, quando ainda não temos sequer uma rede de transporte terrestre e
marítima nacional organizada de forma sustentável, não só para transporte de
passageiros, como para a evacuação dos nossos produtos exportáveis?
Como se quer criar ou contratar a criação dessa Companhia
Aérea, quando assistimos Portugal a querer vender a TAP por aquilo que pesa no
bolso dos contribuintes e os nossos irmãos caboverdianos a queixarem-se da
inviabilidade económica da TACV?! Só há três hipóteses para a persistência
nesse processo da criação de uma Companhia de Aviação Civil Guineense: 1. Ou
somos loucos megalómanos, 2. Ou interesses económicos superiores aos interesses
nacionais estão por trás desse negócio, 3. Ou simplesmente temos governantes
impreparados que não acautelam verdadeiramente os interesses nacionais!
Como podemos querer desenvolver uma companhia aérea
nacional, para facilitar a vida dos nossos imigrantes, sem antes criar
condições básicas que facilitam o investimento migrante no país, como a
facilitação da desalfandegação dos bens enviados pelos migrantes, a redução do
preço das taxas de desalfandegação e dos impostos sobre os bens monetários e
materiais enviados, a criação de créditos bancários nacionais para guineenses
residentes no estrangeiro que queiram investir no país, a facilitação
burocrática para os migrantes que queiram concorrer para um lugar na
administração pública nacional, construir casas, clínicas, escolas
particulares, etc, no território nacional?!
A casa começa a construir-se pelos alicerces e não pelo
telhado. Tentar construir a casa pelo telhado colorido e brilhante, é enganar
um povo mantido na ignorância e na miséria essas quatro décadas e que está
sedento de desenvolvimento e bem-estar, a qualquer preço, mesmo que isso
signifique hipotecar os interesses nacionais e das futuras gerações.
Com a queda do governo, o país entrou em quase estagnação,
pela resistência do PAIGC, em tentar a todo o custo sobreviver no poder! Usou e
usa todas as armas possíveis, principalmente a arma da comunicação e marketing,
área onde tem uma enorme ascendência sobre os seus opositores! Apelou à
mobilização da população através de manifestações de rua, à desobediência
civil, à manifestação e comunicação de géneros femininos, etc. Publicou números
avulsos e descontextualizados, para demonstrar o crescimento económico do país,
como forma de sensibilizar a população para a sua estratégia…
A meu ver, não é preciso ser-se economista para não se
deixar iludir com números e gráficos avulsos, retirados do contexto
sociopolítico e macroeconómico.
Exibir dados de crescimento económico, comparados de forma
isolada com o período em que o país esteve sob a alçada de um governo de
transição, submetido ao máximo à uma asfixia económica pela comunidade
internacional, é pura demagogia e das mais baratas que um economista pode usar.
A leitura dos índices de crescimento económico faz-se
através da sua contextualização com os dados mundiais, regionais e a realidade
sociopolítica do país no período de tempo analisado. Nesse período de tempo, é
preciso também conhecer a evolução da taxa de pobreza e da pobreza extrema do
país, a evolução do PIB, evolução comparada do PIB com o crescimento
populacional, a evolução do fluxo de financiamento internacional e da remessa
dos emigrantes, etc, etc, etc.
Abusar da demagogia e do populismo, pode também ser
considerado um abuso à ignorância do povo guineense.
Em todo o caso, congratulo-me com todo o processo de disputa
democrática que se tem desenrolado no país. A democracia não se suspende após
as eleições, para que se consiga governar ou presidir um país em paz e sossego!
A democracia tem os seus instrumentos ao dispor dos atores
políticos, que devem ser usados para a própria maturação e edificação da
própria democracia. Todo o processo de disputa do poder a que temos assistido
na Guiné-Bissau, nada mais é que a maturação da nossa democracia, que deve ser
respeitado pelo povo e pela comunidade internacional. Com a exceção da
precipitada nomeação de Baciro Dja para Primeiro-Ministro, julgo que tem-se
cumprido o pressuposto Constitucional em todo esse processo de disputa do poder
na Guiné-Bissau. Até esse processo de nomeação de Baciro Dja teve a sua face
positiva, já que tornou-se na primeira vez na nossa história que um Presidente
da República acata pacificamente as decisões de um órgão judicial.
Também é de realçar que é a primeira vez na nossa história
democrática que um Presidente da República é insultado e vilipendiado
publicamente, sem consequências maiores! Apesar de algumas excedências no que
concerne ao respeito institucional e pessoal à pessoa do Presidente da
República, julgo que deve-se sublinhar essa liberdade de expressão que, apesar
de roçar à libertinagem, ninguém ainda foi pessoalmente perseguido, intimidado,
espancado ou inibido dos seus direitos, por utilizar essa forma de crítica.
Para aqueles que engradecem o líder do PAIGC, como sendo o
único líder de um partido vencedor das eleições que não é Primeiro-Ministro do
seu país, quero lembrar-lhes o caso do ex- Primeiro-Ministro Australiano Tony
Abott que, apesar de ter ganho as eleições legislativas como líder do seu
partido, acabou por perder a confiança do seu próprio partido, que lhe lançou
uma moção de censura em Setembro de 2014 e derrubaram o governo do próprio
partido, nomeando outro líder. É preciso conhecer outras realidades no nosso
processo de aprendizagem da democracia.
A questão a discutir neste momento, dentro do PAIGC, devia
ser a qualidade da liderança do próprio partido e a sua possível renovação, já
que, apesar de ter conseguido unir o partido para ganhar a liderança do partido
e as eleições legislativas com maioria absoluta, o atual líder não foi capaz de
unir o partido para cumprir o programa do governo até o fim da legislatura.
A solução não passa por tecer alianças com o Presidente da ANP,
tentar confundir os deputados com votações de moção de confiança versus
programa do governo, ou provocar uma purga dentro do próprio partido!
A conclusão que o líder do PAIGC e consequentemente o atual
líder do governo devem retirar dessa votação na ANP, é que não reúnem o apoio
de mais de 50% dos deputados eleitos para a ANP, o que coloca em risco qualquer
programa ou projeto-lei que o governo de PAIGC queira apresentar no futuro.
Portanto, o próprio PAIGC tem de rever a sua continuidade no governo, porque em
nenhuma democracia parlamentar, um governo é viável sem o apoio da maioria
parlamentar. Insistir nesse propósito é investir na estagnação e instabilidade
do país.
É preciso saber sair de cena para poder tentar entrar outra
vez de forma credível. Que sirva a lição de democracia que o PSD e Passos
Coelho deram, cedendo o governo à uma maioria parlamentar e depois até
viabilizar o Orçamento rectificativo, sem mágoas nem rancores.
Chegou a hora do PAIGC entregar o poder, passar para a
oposição e tentar fazer primeiro o trabalho de casa, que terá de passar pela
reorganização, redimensionamento do partido, para conseguir fazer uma oposição
responsável e quiçá regressar ao poder de forma mais capaz e consistente.
Não sei se os que virão governar depois do PAIGC serão
melhores, mas de uma coisa tenho certeza, enquanto o PAIGC insistir em ser
poder na Guiné-Bissau, sem resolver os seus problemas internos, continuará a
ser um problema e não uma solução para o país. E, um líder que insiste nessa
tónica, é um mau líder, que coloca os seus interesses e projetos pessoais e
corporativos acima dos interesses nacionais.