quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

GBAGBO JULGADO NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Só apoiantes de Gbagbo no banco dos réus?
 
TPI = neocolonialismo
 
O ex-Presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, senta-se no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional a partir desta quinta-feira. É acusado de homicídio e violação. O julgamento é aguardado com expetativa.
 
Se se perguntar a alguém nas ruas de Abidjan, se está interessado no início do processo contra o ex-Presidente Laurent Gbagbo no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, a resposta será provavelmente semelhante: Sim, o processo é aguardado com muita expetativa em todo o país. É, por exemplo, o que responde Etienne Moro, um agricultor, de 40 anos, que está na capital económica costa-marfinense para visitar o tio.
 
"Vejo debates televisivos com frequência e fala-se muito disso", diz.
 
É mais do que mera curiosidade. O julgamento traz à memória os dias sangrentos após as eleições presidenciais de novembro de 2010. "Víamos morte em todo o lado - havia cadáveres nas ruas. As pessoas não sabiam por que eram detidas. O país inteiro estava em chamas. Ninguém podia dizer nada. Se alguém falasse, seria apanhado e morto." Ao terminar a frase, Etienne Moro respira fundo, tentando acalmar-se.
 
O Presidente costa-marfinense, Alassane Ouattara, foi reeleito em outubro
 
Um processo de imperialistas?
 
A crise estalou após a controversa segunda volta das presidenciais, que deu a vitória ao então líder da oposição Alassane Ouattara. Laurent Gbagbo recusou-se a reconhecer a derrota. Enquanto a comunidade internacional reconhecia Ouattara como chefe de Estado, o Conselho Constitucional proclamava Gbagbo como vencedor. De seguida, apoiantes das duas fações entraram em confrontos sangrentos. Até à detenção de Gbagbo , a 11 abril de 2011, morreram mais de 3.000 pessoas. O julgamento no TPI, que começa esta quinta-feira (28.01), poderia ser um passo importante para processar o que aconteceu na altura e reconciliar o país. Pelo menos, na perspetiva de apoiantes de Ouattara e de organizações internacionais.
 
Charles Blé Goudé, a "mão direita" de Gbagbo, é outro dos réus
 
Mas Boubakar Koné abana a cabeça. "Este é um processo de imperialistas", diz o porta-voz da Frente Popular Marfinense e confidente do ex-chefe de Estado. "O Presidente Gbagbo ganhou as eleições democraticamente. Depois, foi forçado a entregar o poder e detiveram-no injustamente."
 
Homicídio e violação
 
Gbagbo é acusado de quatro crimes contra a Humanidade, incluindo homicídio e violação.
 
Com ele, no banco dos réus senta-se também Charles Bé Goudé, ex-ministro da Juventude e outro confidente de Gbagbo. A acusação diz ter 5.300 elementos de prova contra os dois réus, incluindo 300 vídeos. Mais de 100 pessoas estão preparadas para ir a tribunal testemunhar, embora nem todas devam ser chamadas.
 
Ainda assim, Boubakar Koné não acredita na condenação: "As acusações são infundadas", diz. "Acreditamos que a lei prevalecerá e que o Presidente Gbagbo regressará a casa. Esperamos esse resultado impacientemente."
 
Só apoiantes de Gbagbo no banco dos réus
 
Um ponto que tem gerado controvérsia é o facto de, até agora, só terem sido investigados crimes apontados a apoiantes de Gbagbo - apesar de testemunhas independentes afirmarem que tropas de Ouattara também foram responsáveis por assassinatos. Porém, questiona-se igualmente até que ponto seria possível levantar um processo contra um Presidente em exercício, até porque é necessário o acesso a documentos e arquivos nacionais. A procuradoria do TPI informou, antes do início do processo de Gbagbo, que uma parte "significativa" das provas foi disponibilizada pelo Governo de Ouattara.
 
 
Em Yopougon, um antigo bastião de Gbagbo, os jovens deixaram de falar do ex-Presidente
Esse é um dos motivos que leva o agricultor Etienne Moro a duvidar da capacidade de o país se reconciliar com este julgamento. Na verdade, há uma comissão oficial com esse intuito e muitos políticos fazem questão de sublinhar quão unido o país é. Mas Moro duvida: "A reconciliação começa na família. Mas, mesmo aí, há divisões."
 
Ex-Presidente africano no TPI
 
Esta será a primeira vez que um ex-chefe de Estado é julgado no TPI. O tribunal é criticado há vários anos por alegadamente ser um "instrumento político" que tem como alvo África e os africanos.
 
Esta semana, em entrevista ao programa "Conflict Zone" , da DW, a procuradora do Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, minimizou as críticas, garantido que continua a ter apoio em África. E não se mostrou contra a criação de um tribunal africano.
 
"Criar um tribunal para julgar crimes atrozes não é contra os princípios do TPI", afirmou a a gambiana. "Na verdade, o TPI é um tribunal de última instância. Seremos encorajados por jurisdições nacionais que assumam a sua responsabilidade de investigar e julgar estes crimes." Fonte: DW