domingo, 13 de março de 2016

Entrevista_MÚSICO JUSTINO DELGADO: “NÃO TENHO SERPENTE!”

Embaixador da Musica Moderna Guineense, Justino Delgado
O Embaixador da música moderna guineense, Justino Delgado, defendeu numa entrevista exclusiva ao semanário O Democrata que não tem serpente (ser super natural). Contudo, mostrou que podia ter uma serpente, porque em várias circunstancias teve oportunidades de tê-la. O músico respondia assim à questão relativa a especulação segundo a qual o seu sucesso musical e a facilidade que tem na composição da música deve-se a um poder super natural, ou seja, trabalha com uma serpente.

Justino Delegado explicou ainda como iniciou a sua carreira musical e a razão do seu sucesso. Contou, no entanto, que tem um‘dom divino’ desde criança, que considera de uma dádiva de Deus e que conseguiu cultivar.
 
“O álbum ‘Casamento di Haós’,o segundo álbum ‘LOLA’, depois ‘Teteté’, ‘Toroco’ e ‘Gabiana’, foram os discos que projectaram o Justino para o mercado internacional”, disse o músico.
 
O DEMOCRATA (OD): Justino Delgado é embaixador da música moderna guineense. Conta-nos o seu percurso no mundo da música, dos primeiros passos até a data presente…
 
JUSTINO DELGADO (JD): O meu percurso foi muito simples, como sabem. É uma história que sempre contei. Comecei a vida musical sem saber se sou músico. Foi um sonho que se tornou numa realidade desde criança, em Bubaque onde cresci. Nasci na Ilha de Unhucum, onde os meus pais estavam em missão de serviço, mas a nossa residência era em Bubaque.
 
Levaram-me para Bubaque muito cedo, por que lá havia melhores condições hospitalares para tratar uma criança.
 
Comecei o sonho de cantar desde os seis sete anos de idade, seguindo os passos da minha mãe. Na altura tinham um grupo de ‘mandjuandade’. A partir daí tornei-me cantor até a data presente.
 
OD: Podia-nos aprofundar a sua história nos grupos África livre e Dokolma?
 
JD: Quero vos contar ainda uma curiosa história. Lá em Bubaque, antes de vir para Bissau, aliás, antes de tirar quarta classe, havia um grupo chamado de “Negro Djazz”, do qual faziam parte elementos como, Santinho e Djonas Capiti. Como tinha aqueles dotes para cantar, então seguia-os. E meu sonho prosseguiu em “Negro Djazz”. Mais tarde formamos “Baloba Djazz” e de seguida criámos “Chave D’Ouro”, porque ouvíamos o nome de chave de ouro em Bissau. Sonho de criança.
 
Depois de concluir a quarta classe, vim para Bissau porque não havia ciclo em Bubaque. Cheguei aqui e tinha que esconder-me, ou seja, dedicava-me mais aos estudos. Eu ia do Chão de Papel para Bairro D’Ajuda. Um belo dia um meu colega, Agostinho Capatchita, viu-me e insistiu comigo até levar-me para o grupo ‘Flor D’África’ e de seguida para outro grupo chamado ‘Juventude Cuburnel’, onde tocavam Silvério Soares, Dalau e atual Juca Delgado. Mais tarde o grupo ‘África Livre’ foi buscar-me a Juventude Cuburnel, assim foi à história.
 
Mas antes, eu tinha passado por outros grupos como ‘Mini Pantera Guinéus’, ‘Mini Embaraço’ e ‘Mini Tchifri Preto’. Foi um périplo um pouco conturbado, porque procurava aprender sempre mais. De ‘África Livre’ fui direto para Portugal, onde permaneci mais de vinte anos.
OD: Atualmente não existe praticamente grupo ou banda de música em ativo, além de Tabanka Djazz. Todos cantam a solo. Quer fazer alguns comentários sobre isso?
 
JD: Claro. A partir de uma dada altura, os grupos desapareceram, a moda tornou-se apenas em artistas individuais. Quando estava no grupo ‘África Livre’, criei o ‘Dokolma’ que é mais antigo que o ‘Tabanka Djazz’. Quando pertencia África Livre entendi que África Livre era um grupo que tocava para as pessoas dançarem. Fazia também a minha carreira individual nos festivais em que participava. Sou artista com mais festivais ganhos no país, o primeiro festival que ganhei foi organizado pela Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC).
Como havia muitos festivais, fui obrigado a fundar um grupo exclusivamente para as minhas participações nos festivais e espetáculos. Agora ‘Dokolma’ está todo reformulado e conta atualmente com doze elementos, porque não podemos ficar apenas no conceito de ‘banda base’. Quando um músico tem uma atuação agendada reúnem-se em torno da ‘banda base’ para acompanhá-lo.
 
Entendi que tenho o meu grupo ‘Dokolma’, embora estejamos separados, alguns foram para Portugal, como é o caso de Cabun, mas há novos talentos aqui no país. Recrutei novos talentos e alguns colegas e criamos a Orquestra ‘Dokolma Internacional’. Isto de banda base é muito medíocre, uma banda para acompanhar quarenta artistas. Imagine só, um artista do meu nível pode estar a tocar com aquela banda base!
 
OD: Podia-nos explicar as circunstâncias e os motivos da sua prisão e da sua posterior libertação, nos primeiros anos da sua carreira como músico? Ficamos a saber disso, nos traços da sua música ‘Gabiana’ e “Bom Mindjoria Samba”
 
JD: Sempre fui artista polêmico e de intervenção. As mensagens que deixava nas minhas músicas naquela altura eram maiores que a minha idade. Tentava fugir das polêmicas, porque sentia que estava a ser perseguido, mas não conseguia. Conheci um rapazinho de nome Cansio Mateus que trabalhava na agência Sagres. Pela amizade que tinha por mim, andava atrás do Justino Delgado para aprender a tocar e cantar. Quando se apercebeu da minha aflição em querer fugir, tentou ajudar-me.
 
E isso precipitou a minha prisão. Cansio era enviado para levantar os ‘cupons’ de bilhetes de avião na agência, para a autenticação e posterior venda aos passageiros. Mas como soube da minha intenção, decidiu furtar dois bilhetes. A partir dos referidos bilhetes é que descobriram que queria fugir.
 
Nem cheguei ao aeroporto. A partir do bilhete, as autoridades descobriram a minha intenção. E perguntaram o porquê da minha intenção de querer sair do país daquela forma. Calcularam que tinha feito alguma coisa, por isso, queria fugir. Querendo com isto dizer que tinha a consciência que tinha feito algo e queria fugir de uma forma ilegal.
 
Na época, os passaportes eram depositados na atual 2ª Esquadra da Polícia, uma semana antes da viagem para que as autoridades policiais pudessem averiguar se havia algum processo. De seguida podíamos ser autorizados ou não a sair do país. Tudo aconteceu, quando fui levantar meu visto na 2ª Esquadra. Começaram a interrogar-me. Amedrontaram-me, colocaram o colmo e pistola em cima da mesa. Pela idade que tinha, fiquei com medo e comecei a tremer. Fui obrigado a responder todas as perguntas que me colocaram.
 
Percebi que estavam a perseguir-me, depois perguntaram-me, se tinha combinado com alguém em Cabo Verde. Tinha um bilhete para Cabo Verde, porque os meus planos eram ir até Cabo Verde para de seguida utilizar o bilhete da TAP com destino à França. Tiraram-me o bilhete de Cabo Verde e questionaram ainda o motivo de viajar via Cabo Verde e não diretamente para a Europa.
Era tido como uma pessoa que fazia uma luta clandestina, mas teleguiado por alguém ou por alguma facão. Fui ouvido na 2ª Esquadra no mesmo dia fui preso. Foi entre 1985/1986.
 
OD: Qual foi sua relação com falecido Presidente João Bernardo Vieira?
 
JD: A nossa relação era boa, ele gostava muito de mim, mas para algumas pessoas a sua volta, eu era um problema, por causa da situação que todos conhecemos na Guiné-Bissau, que é de bajular para receber uma atenção especial de chefe. São essas pessoas que andam a criar um mal-estar entre nós. O Presidente Nino gostava de mim, mas quando a ‘entourage’ é forte, as coisas acabam por complicar. Eu,no regime do João Bernardo Vieira era um menino querido, mas para a sua‘entourage’, eu era um alvo indesejável.
 
OD: O tema musical ‘Bom Mindjoria’ refere-se ao falecido Presidente João Bernardo Vieira (Nino)?
 
JD: Sim, ‘Bom Mindjoria’ foi para ele. Tinha fugido para a República do Senegal pelo mesmo motivo de cantar. Numa dada altura, queria voltar ao país a fim de procurar uma saída para a Europa, mas tinha medo. Foi quando recebi a informação que o nosso Presidente estava doente e tinha ido tratar-se no estrangeiro. Resolvi fazer uma música no Senegal [Bom Mindjoria] e enviá-la para Guiné-Bissau, mas tudo era uma estratégia para abrir a estrada para o meu regresso. Em jeito de resposta, recebi informações de que Nino acolheu com muito agrado o tema musical que lhe dediquei.
 
A partir daquele momento percebi que o caminho estava aberto para mim e vim logo para Bissau. No meu regresso recebi um convite da parte do senhor Jorge que organizara um festival e queria que animasse o evento. Perguntou-me quanto é que queria que me pagasse. Respondi que não queria dinheiro, mas sim um visto de viagem.
 
Recebi o visto e segui a minha viagem para Lisboa. Aqui em Bissau todo o mundo estava contente com ‘Bom Mindjoria’ até o entourage estava satisfeita e a estrada abriu-se e resolvi passar.
 
OD: Justino Delgado conta com 36 anos de carreira, e é músico guineense com mais discos editados no mercado. Quantos álbuns editou? E qual é o TOP 3 que lhe ajudou a projetar-se internacionalmente?
 
JD: Penso que ‘Casamento di Haós’ foi o primeiro álbum, ‘LOLA’ o segundo, depois o Teteté, e se quiser posso dizer ‘Toroco’ e ‘Gabiana’. São álbuns que projetaram o Justino Delgado.
 
OD: Justino tem muita facilidade em compôr música. Qual é o segredo da sua inspiração?
 
JD: É a inteligência e dom, porque cada um de nós nasceu da sua maneira. Nasci assim, com esse dom de escrever, de cantar e realizar os meus desejos. Se me tornasse num político, acho que ninguém me pararia, porque só essas pequenas passagens que faço pela política deixaram marcas. Segredo são a inteligência, o dom, o amor e querer fazer.
 
Tenho uma vertente de escrever e compor música simultaneamente, às vezes faço as letras e depois coloco a melodia. Quando estou sozinho vem-me àquela inspiração divina acompanhada da letra e melodia, com a companhia de Deus na minha caminhada.
 
OD: Há muita especulação e tabu a volta da vida do Justino Delgado. São verdade os rumores que dão conta de que o Justino Delgado tem um poder super natural ou algo anormal (serpente) que contribuiu muito para a sua progressão no mundo da música?
 
JD: O meu dom é divino, desde criança. É uma dádiva que Deus e eu a cultivei. Porque Deus pode dar-nos uma coisa, mas se não a cultivamos e ficamos sentados numa sombra não rende.  Depois de descobrir esse dom que Deus me deu, levantei-me, trabalhei-o,cultivei-o, explorei-o e estudei-o.
 
Tenho esse dom até hoje. É apenas esse dom e trabalho.  Eu apenas trabalho, trabalho, trabalho e mais nada. Mas na Guiné há muita superstição, quando uma pessoa tem grande talento é logo associado à ‘serpente’, ou ‘irã’.
 
OD: Justino Delgado não tem serpente?
 
JD: Justino Delegado não tem serpente! Até podia ter, porque em várias circunstâncias tive oportunidades de ter serpente. Mas essas coisas têm suas consequências futuras e eu tenho medo dessas consequências, por isso, em várias ocasiões que tive oportunidade de tê-la, rejeitei simplesmente.
 
OD: Numa das entrevistas da Diva na música cabo-verdiana, Cesária Évora, nos anos 90, quando foi questionado qual dos músicos do PALOP que mais admirava, disse que Justino Delegado era o seu artista preferido. Como encara este elogiou e preferência?
 
JD: Fiquei admirado da forma como conseguiram saber disso. Normalmente, na Guiné, mesmo que as pessoas sabiam alguma coisa como esta, tentam escondê-la para não dar fama e nome, mas isto é uma vitória para mim.
 
O reconhecimento da Cesária é o resultado do trabalho que fiz no estrangeiro, porque ela acompanhou a minha evolução, na altura era miúdo. Também passamos pela mesma editora SonoVox – Movieplay, assim como a Dulce Pontes e a Mariza, considerada agora rainha de Fado em Portugal. Cantou como minha corista em meus quatro ou cinco discos. Tive essa oportunidade, lancei primeiro que a Mariza.
 
Além da Cesária, Paulino Vieira, Toy Vieira, Bana, Bonga e Leonel Almeida todos têm a mesma opinião com a Diva da música cabo-verdiana sobre a minha pessoa, mas a Cesária conseguiu exteriorizar a sua admiração para o Justino Delgado. Ela viu-me em várias ocasiões, teve a oportunidade de me apreciar e chegou a essa conclusão. Fiquei muito agradecido a ela, a sua alma que descanse em paz.
 
OD: A Cesária foi uma figura musical a nível do nosso continente, o Estado cabo-verdiano atribuiu-lhe uma pensão que recebia e agora os filhos estão a usufruir da mesma. JD espera ser reconhecido da mesma forma pelo Estado Guineense como um ‘lendário’ da música nacional?
 
JD: Sim seria uma satisfação para mim, porque se outras pessoas podem ser reconhecidas, acho que o trabalho que tenho feito na cultura e a nível social merece reconhecimento, também a minha contribuição na política. Todos sabem que estive ao lado da maioria dos presidentes da república Ajudei-os a despertar atenção da população. Além de várias vezes que ergui as cores nacionais no estrangeiro, ou seja, para divulgar a Guiné-Bissau em todas as partes do mundo.
 
Sabemos qual é maldade que as pessoas têm no coração aqui na Guiné-Bissau. O reconhecimento aqui na Guiné não seria apenas em relação ao Justino delgado. Há muita gente. Guineense tem medo de reconhecer o seu similar, por causa de ciúmes. Mesmo assim, reconhecendo ou não, o povo da Guiné-Bissau reconheceu-me e é a maior satisfação que tenho, por isso, fico muito grato ao povo guineense, o exemplo disso é o nível da popularidade que tenho no meu país.
 
Sei que politicamente nunca mais me reconheceriam, porque não me compactuo com feitiçaria, jogo sujo e porcarias. É esse o motivo da minha constante mudança, de um político para outro. Porque quando percebo que não há verdade em um determinado sítio, não falo, mas sim a minha ação é que explica a minha posição discordante. Esse é o fato que faz com que seja sempre condenado por alguns regimes, mas a minha luta não vai parar. E é por isso que não há meu reconhecimento até então.
 
OD: Falar de JD é como falar do Youssou N’duor no Senegal e do Moro Kanté e demais artistas que se destacaram a nível da sub-região. Quem é Justino Delgado na arena internacional?
 
JD: É um cantor realmente super bom como os colegas que encontra nos eventos. Simplesmente sei fazer apenas música. Não sei fazer negociatas e outros tipos de vida. Não sei bajular, talvez seja fatos que jogaram contra mim e estou como estou. Mas na arena internacional o conhecimento e o valor não me faltam.
 
Talvez me falta alguma coisa, o que fez com que a minha condição financeira não esteja acima, ou também como não levo muito tempo na Europa, sempre estou ligado ao meu país e ao meu povo. Talvés não faço ‘lobby’ como deve ser ou o meu país nunca me suportou. É difícil ver um ocidental apoiar um africano, a não ser em casos de um pouco de sorte. Como tive alguma sorte em Portugal, onde tinha editoras e empresários. Depois da editora encerrar as portas, fui obrigado a parar em outras paragens desagradáveis.
 
E na verdade, durante a minha caminhada encontrei pessoas poucas honestas, fato que me levou a desacreditar nas pessoas e grande motivo para não ter um empresário fixo. Mas agora conto com um empresário de nome Paulo Polido Valente.
 
OD: Fala-nos da experiência que teve num passado recente com o produtor Cóli, que pelos vistos não durou? 
 
JD: Este empresário que referem é o Ansumane Cóli. Ele foi músico e acabou por desistir do mundo da música e optou por trabalhar como empresário. Encontrei com ele várias vezes em Dacar, mas ele seguia o trabalho e muito bem. Depois de deixar de cantar, entendeu que devia trabalhar comigo, ou seja, que passaria a representar-me como o meu empresário.
 
Foi na cidade de Ziguinchor que encontrávamos e ali manifestou o interesse de ser meu empresário. No entanto respondi naquela altura, que para ser meu empresário eram necessários muitos requisitos e condições. Respondeu-me que não tinha nada, mas com a vontade e organização poderia trabalhar comigo. E começamos a trabalhar. Fizemos alguns trabalhos no Senegal.
 
Para o último Show que fizemos em Bissau, ele veio como um magnata que tem muito dinheiro. Não me pediu informações para saber como é que podia andar. Pegou a sua bolsa de dinheiro, entrou a negociar um hotel e o espaço para concerto. Pagou mas perdeu dinheiro e depois de ver que perdera muito dinheiro, retirou-se sem me explicar a razão. Alugara o hotel 24 de Setembro e o Estádio Nacional 24 de Setembro, sem pedir a minha opinião, pelo menos como a pessoa que conhece o seu próprio país.
 
Lembro-me que o alertei na altura, dizendo-lhe que não deveria proceder daquela forma e que corria o risco de gastar muito dinheiro. Foi o que aconteceu com o empresário Ansumane Cóli.
 
Todos sabemos que o senegalês, quando perde dinheiro exorbitante num negócio, foge sempre daquele sítio. Recentemente estivemos juntos em Dacar e mostrou-se disponível para continuar a trabalhar comigo, mas disse que desta vez quer preparar-se melhor para podermos trabalhar.
 
OD: O embaixador Justino Delgado teria dito aos seus colegas músicos guineenses, depois do seu penúltimo álbum, que iria doravante gravar apenas músicas acústicas. De repente este último álbum não foi o caso. O que aconteceu? 
 
JD: Não foi o caso, porque o último álbum foi um trabalho que estava a ser preparado há três anos e simplesmente proferi aquela declaração quando eu estava a trabalhar este álbum, portanto foi isso aconteceu.
 
Garanto que a promessa está de pé, porque entendo que devo passar a cantar a música acústica. Entendi que devo deixar já de saltar e dançar no palco para o meu filho e outros jovens talentos que estão a crescer. Quero frisar ainda que não vou deixar o estilo uma vez, mas de vez enquanto poderei tocar para o meu público que já está acostumado a este género.
 
Quero dedicar-me sim à música acústica, mas sempre se houver a oportunidade tocarei o gumbé para os meus fãs. A música acústica é que me permite ombrear com o Salif Keita e mais outros músicos. Tocamos juntos no palco e o género de música que tocamos é totalmente diferente. Se eu continuar com o gumbé, esses estilos que toco podem vir a morrer, por isso entendo que devo começar a tocar a música acústica.
 
OD: Justino pretende virar o seu olhar para Word Music com a música acústica?
 
JD: Sim, acho que perdi muito tempo. Embora eu não esteja arrependido nada com isso, mas confesso que perdi muito tempo, produzir músicas acústicas catapulta rapidamente o artista para o mercado internacional.
 
O estilo Gumbé é ouvido mais na Guiné-Bissau e mais alguns países e acaba ali. Este estilo de música vem da costa de Nigéria, Congo Democrata e os países arredores daquela zona. Gumbé é quase idêntico de Soukous. Não podemos publicar ou promover o gumbé, mais daquilo que os congoleses já fizeram.
 
OD: Qual é a sua relação com alguns artistas guineenses, sobretudo Tino Trimo, Manecas Costa e Rui Sangara, etc…
 
JD: Temos uma boa relação, não obstante a vida que cada um tem. Há respeito mútuo e isso é o mais importante. Conversamos sobre os assuntos essenciais e damo-nos muito bem de facto.
 
OD: A nova geração de artistas queixa-se de ter menos apoio da parte de músicos da sua geração. Tem algum comentário a tecer sobre esse assunto?
 
JD: Se a própria velha geração não tem meios… Não é segredo para ninguém que ajudei muitas pessoas que hoje ombreiam-se comigo. E estou feliz neste aspecto. Não acredito que haja artistas na Guiné-Bissau que ajudaram outros mais de que eu.
 
Não digo apoio em dinheiro. Dei oportunidades para se erguerem no mundo de música. Desde o tempo do grupo “Dokolma” apoiei artistas. Poucos artistas que cantam connosco hoje não passaram por “Dokolma. A nova geração que agora canta o estilo rap e outros estilos musicais recebem o meu encorajamento e conselhos para se enveredarem também pelo nosso Gumbé.
 
OD:Numa das faixas musicais deste último trabalho referiu-se as autoridades nesses termos…“si ami ku bó na pera na porta, bó na bedju…”. Sente-se desiludido com os governante em relação ao reconhecimento dos artistas?
 
JD: Sim, sinto-me desiludido com os governantes desta terra que para mim são maus. Não é por falta de reconhecimento aos artistas, mas para dizer a verdade, os nossos governantes são maus e egoístas. É uma vergonha o facto de até agora as autoridades não conseguirem construir um Palácio da Cultura, onde os músicos possam desenvolver as suas actividades condignamente.
 
Já se construiu o Palácio de Justiça, graças à cooperação com um país amigo, mas se há algo que deveria ser construído aqui, é o Palácio da Cultura e isso não é um favor. É uma obrigação. Eles ou falam da cultura ou precisam de nós apenas no momento da campanha eleitoral para ajudar na cativação e mobilização do eleitorado.
 
Os músicos fazem bom trabalho, um trabalho digno. Não perturbamos a população e nem sequer intimidamos-lhes com bombas ou quê… Nós consolamos a população com a nossa música. Somos nós que levamos a bandeira do país para os quatro cantos do mundo. E falamos sempre do bom nome da Guiné-Bissau e do seu povo.
 
Não é possível deixar essa agente passar fome e enfrentar enormes dificuldades, recusando apoiar-lhes com empréstimos bancários para desenvolverem as suas actividades, a semelhança do crédito bancário concedido aos empresários da castanha de cajú. Não é admissível tratar mal os artistas, porque apenas cantam músicas que criticam as acções de governantes.
 
Um músico como eu, que critica acções dos governantes abertamente é visto com maus olhos. Os nossos políticos gostam sempre de controlar as pessoas e, sobretudo as que fazem criticam. Mobilizam as pessoas para meter no sistema ‘podre’ deles, mesmo vendo as mentiras ou coisas nefastas, algumas pessoas pactuam com eles. Quando assim é, eles apoiam-nas.
 
Eu defendo um valor e princípios muito diferentes dos deles. É difícil, portanto,associar-me ou entrar nos seus jogos.Eu não vou ser de ninguém ou ser controlado pelos políticos. Serei e continuarei a ser sempre do meu povo e defendendo sempre os meus princípios. Nunca vou pactuar com as inverdades e denunciarei todas as “malvadezas” e banditismos que existem nesta terra.
 
Este povo não pode continuar a ser enganado pelos políticos e nem maltratado. Os colonialistas tinham-nos dito que não podíamos (mandar em nós próprios), ou seja, não estávamos em condições de dirigir o país, mas alegamos que podíamos governar a nossa terra e lutamos até que conseguimos a independência.
 
O que fizemos até aqui desde a independência para o desenvolvimento desta terra?! Temos dificuldades de tudo e todos os sectores estão em dificuldades, desde a saúde, a educação, a energia, as infraestruturas rodoviárias e tudo. Até agricultura que é considerada a base da nossa economia, não podemos fazer nada para desenvolvê-la.
 
Os doentes morrem todos os dias nos nossos hospitais e os médicos que, apesar de toda a capacidade, não podem fazer nada devido a falta de materiais de trabalho. Os nossos governantes têm contas bancárias gordas na Europa e no Senegal, a custa deste povo que os elege.
 
OD: De 2005 até as últimas eleições de 2014, o Justino apoiou os candidatos às eleições presidenciais. O que é que Justino ganha de concreto com o apoio aos políticos nas campanhas eleitorais? 
 
JD: No início eu fazia isso de uma forma que considero grátis, porque aquilo que eu recebia em troca, era um algo insignificante. Os políticos davam aquilo que entendiam que podiam dar pela minha participação na campanha eleitoral. Acabei de chegar a uma conclusão que afinal aquilo era o meu trabalho e que devia exigir alguma coisa significante como a recompensa.
 
Sei que precisam da minha imagem para a mobilização de votos da população, por isso é que tomei a decisão de exigir uma recompensa. Estou lá para fazer o meu trabalho, mas também o candidato precisa da imagem para mobiliar a população.
 
Agora tornou-se numa história, que eu sou um mito, porque o candidato que apoio é que acaba por ganhar. Apesar disso, há pessoas que começaram com outras histórias, em como os artistas não influenciam em nada as vitórias ou não dos candidatos.
 
OD: Em termos financeiros, o Justino ganha alguma coisa de concreto?
 
JD:Ganho dinheiro no período das campanhas eleitorais. Nestes últimos tempos exijo muitas coisas ao candidato, sobretudo o lugar para depois trabalhar, em caso da vitória, a fim de poder também mostrar a minha capacidade e através dela, dar a minha contribuição para o desenvolvimento do país.
 
Apoiamos os candidatos que, ganhas as eleições, nem sequer nos reconhecem. E muitas vezes, mesmo para conseguir uma audiência com o ex-candidato que ajudamos a chegar ao cargo, torna-se difícil e às vezes impossível.
 
Relativamente ao ganho ou montante que cobro aos candidatos que está a perguntar, não há um montante fixo. Varia de acordo com a disponibilidade financeira do próprio candidato e das circunstâncias.
 
OD: Há vozes que defendem que o Justino, com a posição e a imagem que já conquistou, não deveria participar em campanhas eleitorais para apelar o voto do povo a favor de um determinado candidato. Quer fazer algum comentário sobre isso?
 
JD: Os grandes cantores reconhecidos a nível mundial envolvem-se nas campanhas eleitorais. E nos Estados Unidos de América, Michael Jackson, Steeve Wonder e tantos outros envolvem-se nas campanhas, porque é que nós não podemos participar também para pedir o voto à população?
 
Sou cidadão nacional desta terra e tenho o meu direito. O músico Sidónio Pais cantou para o PAIGC no início da abertura da democracia. Para mim é normal o artista participar na campanha eleitoral. Por isso, quando convidam-me, sempre entrego tudo.
 
Não gosto de fazer como outros artistas, isto é, atirar a pedra e esconder a mão, ou seja, fingir que estou com este candidato, mas o meu coração está noutro lado. Quando me convidam para um negócio, de forma clara, entrego tudo para trabalhar a favor do candidato. Eu não sou um homem que finge, por isso apresento a cara de uma forma clara para demostrar que estou com um determinado candidato.
 
OD: Pode-nos desvendar o segredo do título do seu último álbum “ESTÁTUA” e o conteúdo da música “Maria Augusta, Maria Amélia”?
 
JD: Maria Augusta e Maria Amélia são nomes fictícios criados apenas para figurar. Quero dizer, esses nomes simbolizam as mulheres guineenses no geral.
 
OD: Considera-se “ESTÁTUA” ou pede que seja erguida uma em sua homenagem?
 
JD: Neste último álbum pedi que me seja erguida uma “Estátua”, em homenagem por tudo aquilo que tenho feito para a promoção da boa imagem do país, bem como da nossa cultura. Essa é a razão que me levou a intitular o último álbum discográfico de “Estátua”.
 
OD: A música “Mamãe Rosa” convida toda agente para uma reflexão sobre a figura da pessoa interpretada na música. Quem é a Mamãe Rosa para o Justino?
 
JD: Mamãe Rosa é uma senhora mais velha que a minha própria mãe. Essa senho
ra gostava muito de mim. Quando era criança, ela me pedia para cantar e depois me levantava. Ficava contente comigo e gostava das músicas que eu cantava. Era um sonho para nós, naquela altura, tornarmo-nos em artistas talentosos e famosos. Tocávamos lata eu e os meus colegas, mas ela e os seus colegas sentiam-se bem com aquilo e até nos ofereciam moedas.
 
Mamãe Rosa, Tia Júlia, Tia Domingas Djassi, Tia Lá. Todas essas foram as mulheres que conviviam com a minha mãe. Tocávamos sempre na casa de Mamãe Rosa e Tiu António Gomes, que é o pai de Padre Bernardo António Gomes.
 
Ela é uma mulher que gostava muito de mim, por isso depois que faleceu, decidiu escrever uma música para homenageá-la. Cantei a música na língua portuguesa para que seja ouvida muito mais longe, a nível de todo o mundo.
 
OD: A sua vida é rodeada de especulações e tabus. Há informações que dão conta que a Mamãe Rosa é a mulher que gostava tanto do Justino até ao ponto de fazer um contrato com a vida dela (entregar-se à serpente) para o sucesso de Justino no mundo de música. Confirma essas informações?
 
JD: Isso não corresponde a verdade. Eu conheci aquela senhora quando eu era rapazinho, mas deixei-a em Bubaque. Vim para Bissau para estudar, deixando-a em Bubaque. Nem sequer estive lá quando ela morreu.
 
Quero deixar aqui claro que essa informação não é verdade. Portanto, todo o sucesso que consegui hoje na minha vida profissional é graças ao meu esforço e dedicação. É normal que as pessoas especulem sobre a minha vida, mas devem evitar me associar a essas coisas. No entanto, se alguém quer saber de mim que venha perguntar-me.
 
OD: Outra música que deixou marca e que levanta muitas questões é o tema “Chiado”. Como surgiu a inspiração para cantar o incêndio de “Chiado” que acontecera logo nos seus primeiros tempos em Lisboa (Portugal)?
 
JD: Presenciei o incêndio do Chiado, por isso fiz uma música sobre aquele acontecimento. Eu morava atrás do Chiado, numa rua próxima de Alcântara. Eu morava num residencial denominado de “Residencial Carmem” e o Chiado ficava em cima e a nossa rua mais para baixo.
 
Sai de Pensão Carmem, em direcção ao Rossio e de repente vi o fogo e muita fumaça. A polícia até proibia as pessoas de circular por aquela zona. As pessoas estavam ali todas tristes, a ver o fogo. Pedi informações sobre o sucedido e as pessoas foram simpáticas comigo e explicaram-me como tudo aconteceu. Chiado era realmente, um “monumento” muito importante da capital.
 
OD: Fala-se que a música “Chiado” ajudou muito na sua progressão em Lisboa e até se fala que conseguiu algum ganho da parte do governo português naquela altura. Confirma? 
 
JD: Não houve ganhos monetários, mas consegui, com a música, uma progressão da minha imagem em Portugal. Consegui com aquela música participar em programas televisivos importantes na altura para cantar a música “Chiado”. Isso era raro para um músico africano. Esse, sim, foi um ganho que consegui.
 
Consegui igualmente obter contratos com editoras muito importantes e de grande influência. Não obtive ganhos em termos monetários, mas consegui ganhos em termos da promoção da minha imagem, o que meu valeu até hoje.
 
Voltando ao assunto do Chiado é para dizer que depois do incêndio, regressei a minha residência e ali peguei na minha viola e comecei a tocar a música Chiado.
 
OD: Se for responsável pela direção da cultura ou por uma estrutura para a promoção da música guineense, quais seriam as suas prioridades e estratégias a curto, médio e longo prazo?
 
JD: Se não morrer, nunca ficarei a espera de uma promoção do governo.  Mas se me reconhecerem, aceitarei com todo agrado! A verdade é que vou lutar para ser ministro da cultura da Guiné-Bissau, porque é disso que o povo guineense está a espera.
 
Se Deus quiser, vou conquistar o posto que sonho ocupar como homem. Pode ser através da integração em qualquer partido político ou utilizando os meus talentos na campanha eleitoral, até ganhar o referido cargo governamental.
 
Se fosse ministro da cultura, a minha prioridade seria a construção de um “Palácio da Cultura”, que albergaria uma Escola de Música, uma sala de espetáculos em condições dignas.
 
A sala de espetáculos seria um lugar onde poderiam ser organizados grandes eventos culturais, por exemplo, quando recebemos músicos estrangeiros. Seria um sítio confortável para os nossos convidados demostrarem aquilo que trouxeram para o país.
 
A escola de música seria direcionada para formação de novos músicos com vontade de conhecer o mundo da arte. A mesma escola estaria disponível para toda a sociedade, porque há muita gente que deseja aprender a tocar, pelo menos, um instrumento musical, mas não têm como fazê-lo. Mas se tivermos um lugar como é um palácio cultural, ali seria instalado todas as modalidades da cultura, e certamente haveria sempre novidades.
 
A médio prazo a minha política seria resgatar os valores ou seja os talentos culturais que estão a andar pelas ruas de Bissau e no estrangeiro, como é o caso do ‘Balet Nacional – “Está é a Nossa Pátria Amada”” e músicos em França e demais países europeus. Poderíamos construir um bairro, tipo residência ou Casa da Cultura. Isto implicaria resgatar e reconhecer aqueles valores que outrora deram as suas contribuições para a cultura nacional. Oferecer-lhes uma residência com condições básicas, como se está a fazer com os antigos combatentes, para que possam sentir que,  embora pareça que possam ter sido esquecidos, que havia gente preocupada.  E que esses cidadãos elaboraram uma proposta entregue ao Estado e que poderiam vir a beneficiar dos seus direitos.
 
Alguns artistas morrem de uma forma muito inglória aqui na Guiné-Bissau, por isso, decidi que temos que criar uma associação que agora já existe legalmente. Agora podemos bater muitas portas.
 
A longo prazo, penso que podemos contar com vários festivais, a exemplo de Cabo Verde, assim como resgatar o turismo e outros nossos companheiros, atravésde intercâmbios com vários países. Também precisamos comprar vários palcos profissionais para concertos, muitos pares de instrumentos profissionais para que aqueles valores que vamos formar na escola de música possam ter onde executar os seus talentos.
 
OD: O seu irmão Carlos Delgado canta. Sabemos também que um dos seus filhos de nome Ailton (Sin’gha) também canta. Como pensa ajudá-los a lançarem-se no mundo da música?
 
JD: Realmente, ajudar o meu irmão e omeu filho passa apenas em transmitir-lhes os meus conhecimentos, as experiências adquiridas ao longo da minha carreira. É a única forma de ajudá-los. Colaborei com o Carlos Delgado em várias ocasiões, passando-lhe sempre as minhas experiências musicais. Até já gravou alguns temas musicais com letras da minha autoria, mas não ostento isso, pois ele é meu irmão. Ele pega as letras que achar interessantes e canta-as nos seus álbuns. Mas para mim, o mais importante é quequalquer músico que achar a minha música interessante, ele pode cantá-la. Estou aberto, desde que haja respeito.Podemos, por exemplo, oferecer cinco músicas a um cantor, mas não o fazemos por que, às vezes, as pessoas pegam nas nossas músicas e não nos reservam os direitos de autor, isso para mim é mau.
 
OD: Que apreciação faz da música moderna guineense no espaço de PALOP e em África?
 
JD: Penso que a música moderna da Guiné-Bissau está a ser muito ouvida, não só no espaço PALOP, mas também em vários países do mundo. Acabei de saber que um amigo meu, de nome António Morteiro que fazia parte do contingente militar que fora a uma missão militar na Libéria, levouas minhas músicas ao solo liberiano e hoje as músicas do Justino Delgado são tocadas nas rádios e discotecas liberianas.
 
Morteiro chegou e mostrou as minhas músicas aos liberianos. Hoje as minhas músicas estão espalhadas pelas terras de George Weah e da Presidente Ellen Johnson- Sirleaf. Na Nigéria idem, na Guiné-Conacri e nos outros países também. O mesmo acontece com muitos colegas músicos nacionais.
 
Já na Europa posso testemunhar que a música guineense está bem presente.  Nos PALOP nem se fala, porque em todos os países por onde passei, quando toca a música de outros países lusófonos, a música guineense está sempre bem presente.
 
OD: Anotamos que a música guineense evolui tanto quantitativa como qualitativamente. Na qualidade de presidente de Associação de Músicos Profissionais da Guiné-Bissau, por que é que os artistas guineenses continuam a viver na pobreza?
 
JD: Se notarmos, a música nacional evoluiu como próprio esforço dos músicos.  Não há nenhuma mão mágica de ninguém para nos enquadrar no sistema estatal ou governamental. Todas as conquistas da música nacional são a custo do esforço pessoal dos músicos. Música também requer dinheiro, fazer música não é uma profissão à parte das outras, porque quem faz algo importante necessita de boas condições de trabalho para desenvolver a sua actividade. Mas na Guiné-Bissau a música encontra-se no último plano.
Mas, quando temos os nossos espetáculos, os mesmos indivíduos que não ajudaram no reconhecimento da cultura marcam as suas presenças com suas esposas, ou ficam atrás das adolescentes, esperando que sejam gabados, ou melhor, que sejam chamados no momento do show, dizendo, por exemplo, lá está o fulano que é diretor-geral, ministro ou secretario de estado de tal instituição, dando-lhe a fama, mas nunca contribuem para a ampliação da música guineense.
 
Muitas vezes, os músicos são penalizados pela sua própria forma de ser. Mas noutros países, por exemplo, Michael Jackson (Estados Unidos da América) ou Youssou N’dour (Senegal) não apanharam dinheiro caído do Céu!
 
Talveza vontade das pessoas aqui na Guiné-Bissau é ver-nos a passar uma vida difícil e  recorrermos a atividades ilícitas para podermos conseguir dinheiro para investir nos nossos projetos. Ou o nosso salariozinho, porque mal temos um emprego, onde vamos conseguir dinheiro para investir nos projetos?Talvezqueiram que a gente vá pedir dinheiro a estrangeiros, para que estes nos deixem às portas das editoras, como nos aconteceu em Portugal e noutros países, quando ficamos às portas de editoras e sofremos humilhações.
 
Alguns empresários que trabalham conosco, vão dormir até lhes apetecer, de seguida vêm fazer as contas conosco.  São situações que nós músicos enfrentamos, mas o lado positivo tem a ver com o nosso país. Há pouco tempo, um colega nosso disse que “não é obrigação do Estado apoiar qualquer artista”.  A mesma pessoa voltou a afirmar que em nenhuma parte do mundo conheceu uma associação de músicos. Como é que uma pessoa velha quer que seja respeitada, pode dizer uma coisa dessas? E a mesma pessoa anda todos os dias atrás do governo, pedindo a disponibilização de dinheiro para a realização de um festival e para sustentar a sua própria pessoa e seus projetos?! Mas a referida pessoa é a primeira pessoa a levantar-se para criar mal-estar entre os músicos, o Estado e o Governo, dizendo que o governo não é obrigado a apoiar.
 
Será que os músicos como Youssou N’dour e Salif Keita não estão no Senegal e no Mali, respectivamente? Ninguém pode tirá-los dos seus países e obriga-los a emigrar! Ninguém pode tirar Seydou Koné (Alpha Blondy) da Costa de Marfim para emigrar, nunca.
 
Mas fizemos a mesma emigração com os referidos cantores, mas chegada a uma certa altura, decidiram voltar para os seus países de origem, onde os respectivos Estados lhes disponibilizaram condições para desenvolverem as suas atividades e consequentemente a cultura e música dos seus países. A Guiné-Bissau é um país atípico, onde é normal não apoiar os artistas. O outro exemplo é do Koffi Olomide que já fixou sua residência na República Democrática do Congo.
 
Esses músicos, quando emigraram para a Europa com o apoio dos seus Estados, contratavam as salas mais prestigiadas para os seus concertos e produziam excelentes vídeos. A Guiné-Bissau surgiu como um país onde os artistas não podem ser apoiados, mas os compradores de castanha de caju podem ser apoiados. Será que a música não é uma profissão? Não pode ser apoiada? Porque é que temos um ministério da cultura? Se continuarmos assim, o melhor seria banir o ministério da cultura, ficando apenas com o ministério do desporto.
 
Estão a apoiar o desporto, tendo contratado um selecionador vindo de Portugal e uma seleção paga para ir jogar, porque é que a cultura não pode estar em pé de igualdade com o desporto? Só um analfabeto pode pensar deste jeito ou uma pessoa de mau coração.
 
OD: Justino vai tomar parte na festival de Bubaque, edição deste ano na festa de Páscoa?
 
JD: Este ano vou realizar o meu próprio festival, com as mínimas condições que vou conseguir. Poderemos montar o nosso palco na Escadinha ou no Bruce. Vamos à Bubaque estudar o terreno onde ficará melhor instalado o palco. Na verdade, não é minha intenção organizar um grande festival, mas sim um festival a exemplo do que já tinha realizado outrora, porque Justino Delgado foi um dos maiores promotores da festa de Páscoa em Bubaque e toda gente sabe disso.
 
Mas deixei aquele festival funcionar, porque achei que podíamos andar de mãos dadas, mas como cheguei à conclusão que não é possível a nossa união… Ora é convidado para atuar no festival, ora é retirado da lista durante dois anos. Também está a crescer uma arrogância, divisionismo, discriminação e está a ser levado mais para o aspeto comercial.
 
Quero alertar o Estado, na qualidade do patrocinador oficial do festival, de que o patrocínio que disponibiliza aos organizadores é mal distribuído, a maior parte é apropriada por um certo número de pessoas para resolverem suas necessidades. Este é um caso a parte, mas realmente não há respeito e estamos a maltratarmo-nos.
 
Vou continuar com aquilo que outrora fazia, colocando os instrumentos no barco, tocando até Bubaque. Na altura, quando chegávamos,realizávamosespetáculos num salão e cobrávamos, mas agora não vamos cobrar nada. Este ano,a minha banda “Dokolma” e os elementos da Associação dos Músicos Profissionais, vamos animar durante a viagem de barco até Bubaque, depois vamos subir os instrumentos para a nossa atuação na Escadinha ou Bruce.
 
Vamos tocar e brincar com as pessoas que vão divertir-se em Bubaque. Não somos contra o festival que é realizado lá, porque tudo aquilo que é bom e que esteja a ser realizado na terra, deve ser apoiado. No entanto, deve ser um, dois, três festivais, cada um que achar que pode realizar o seu festival tranquilamente o pode fazer. Não deve ser apenas em Bubaque, mas também em diferentes pontos da Guiné-Bissau.
 
OD: Quem é o seu artista preferido, ou seja, que admira mais na Guiné-Bissau em termos de talento? 
 
JD: Eu aprecio muitos artistas, sobretudo os da nova geração. Sinceramente, não posso indicar que um ou outro é o meu artista preferido. Temos actualmente bons talentos, portanto não posso ser simpático ao ponto de dizer uma mentira.
 
Há muitos talentos aqui que realmente admiro muito, no entanto não há nenhuma figura ou digamos artista assim, que eu admiro especialmente.
 
OD: O que é que Justino Delgado faz, além da música?
 
JD: Além da música eu pratico desporto. Faço sempre a ginástica e no tempo livre, gosto de jogar a bola. Cuido da minha família, por enquanto eu dedico-me só à música. Tenho muitos projectos em manga que estão ainda na fase embrionária e que não quero anunciar aqui, entre eles é meu desejo prosseguir com a formação académica.
 
Quando desempenhava a função de Conselheiro de Presidente de Transição Manuel Serifo Nhamadjo, tinha muitos projectos para desenvolver. Tenho todos esses dossiês em casa, mas mesmo assim, estou a estudar a possibilidade de materializá-los.
 
OD: Nos últimos tempos uma boa parte de músicos da sua geração que esteve no estrangeiro, em particular na Europa, estão a voltar para fixar residência em Bissau. A seu ver, o que terá motivado esta situação?
 
JD: Cada qual tem o seu motivo. Uns por razões familiares, outros por causa das dificuldades que se vivem hoje na Europa. Aliás, como se sabe, a maioria fazia, para além da música, outros trabalhos. Hoje o emprego é difícil e a dificuldade continua a crescer, por isso alguns resolveram voltar para o país e tentar a sorte aqui.
 
No meu caso e não posso dizer que voltei ou não, porque sempre viajo para a Europa e fico lá por algum tempo. Não emigrei para a Europa. Fui convidado para gravar um disco, onde acabei por ficar.
 
Se se lembrarem, de seis em seis meses eu vinha sempre à Guiné. Nunca separei-me da minha terra. Há alguns artistas que regressaram, porque sabem que estamos a aqui a trabalhar e voltaram para aproveitar o terreno. Infelizmente alguns artistas deste grupo voltaram com má intenção e estão a minar o terreno.
 
OD: Justino pensa um dia apresentar-se como candidato à Presidência da República da Guiné-Bissau?
 
JD: Sim, penso um dia apresentar-me como candidato às eleições presidenciais, queira Deus, isso está muito perto de acontecer. Nas próximas eleições, com a ajuda de Deus, ter-me-ão como candidato presidêncial. Algumas pessoas pedem-me para concorrer ao cargo de deputado da Nação.
 
Eu não gosto de trocar palavras e o parlamento é isso: trocas de “farpas”. Prefiro concorrer ao cargo de Presidente da República. Tenho a popularidade e conhecimentos académico bem como trabalhos que eu tenho feito até aqui, portanto tudo isso dá-me o direito de concorrer para o cargo de magistratura mais alta da nação guineense.
 
OD: Acha que reune as condições para exercer a função de Presidente da República da Guiné-Bissau?
 
JD: Sim reuno as condições e capacidade para exercer essa função. Se notarem, três vezes desempenhei a função de Conselheiro. Fui conselheiro do então Primeiro-ministro, Martinho Dafa Cabi, de Carlos Correia  (2008, quando substituiu Dafa Cabi) e no período de transição, o Presidente Nhamadjo chamou-me para o cargo de Conselheiro para área da cultura.
 
Apoiei vários candidatos que chegaram à presidência da República, desde Koumba Yalá, Malam Bacai Sanhá, apoiei Carlos Gomes Júnior que concorria às eleições legislativas e nas últimas eleições, apoiei o candidato independente Nuno Nabiam, que nunca chegou a ser nada neste país. Isso tudo dá-me o direito de sonhar um dia a apresentar-me na disputa de cargo da mais alta magistratura guineense.
 
Muitas pessoas que serviram como meus protocolos durante a campanha eleitoral, são hoje grandes dirigentes nos partidos e no país. Então, porque é que eu não posso sonhar ser Presidente da República?
 
OD: possui alguma formação superior?
 
JD: Por enquanto não. Estou a pensar viajar para Portugal, a fim de renovar os meus documentos. Quero prosseguir com a formação superior e tenho pensado nisso muito.
 
OD: Pensa formar-se na área musical?
 
JD: Não. Estou a pensar formar-me nas Ciências Políticas, de forma a poder preparar-me politicamente para futuros desafios.
 
OD: Na qualidade de músico, se inciasse a sua carreia hoje, certamente decidiria abdicar-se de certas coisas e priorizar outras. Como iria  projectar-se?
 
JD: Não. Como exemplo disso, temos o grande cantor senegalês, Youssou N’ Dour. Não é preciso deixar a música para ser grande político. A única coisa que se deve fazer é deixar um, enquanto estamos em exercício de outro.
 
Quando terminar a função política, poderei retomar a actividade musical normal e sem nenhum problema, mas sempre dando as contribuições necessárias. Porque como se sabe, ninguém é eterno dirigente. Uma pessoa pode ser eterno político, mas não eterno ministro ou Presidente da República.
 
OD: Se lhe for pedido que escolha o caminho a seguir entre ser o músico ou outra actividade, escolheria de novo a música?
 
JD: Eu escolheria a música. Como sabem, tenho dotes ou capacidade de fazer muitas coisas, sobretudo a política. Querendo ou não, nota-se isso nas minhas músicas. Poderia. Essa parte política exige de mim a maior atenção.
 
OD: Apesar de não aceitar indicar um artista guineense da sua preferência, sabe-se que o músico Chá-chá de Charmi e o jovem artista de nova geração, Dimas, que é pouco conhecido, são artistas que se identificam com Justino. Pode falar-nos destes dois artistas…
 
JD: Estes dois jovens artistas gostam muito de mim, sobretudo admiram o meu trabalho. E apesar de serem também músicos, mas gostam e reconhecem o meu trabalho, por isso tentam imitar-me.
 
Reconheço estes jovens neste aspecto, mas não posso dizer que são meus artistas preferidos ou os melhores. Eu conheço a amplitude da música e sei como escolher ou indicar um artista como o melhor. O facto de alguém gostar de mim, não devo indicar-lhe como o melhor. Isso não se faz, é enganar a opinião pública.
 
OD: Como disse, a sua vida está rodeada de especulações. Fala-se que o Justino é o artista guineense que produziu mais álbuns, mas até hoje não construiu nenhuma casa. Justino não tem nenhuma casa na Guiné-Bissau?
 
JD: Não, não tenho nenhuma casa. Quero dizer às pessoas que saibam de uma vez, que há problemas pessoais que não se levam ao espaço público. Essa situação de ter ou não uma casa é vida privada de Justino, portanto não é preciso especular sobre isso. Há muitas pessoas que têm grandes fortunas nesta terra, mas apresentam-se na rua como se não tivessem nadinha.
 
Às vezes, se exibir tudo o que tem, corre-se o risco de ser assaltado, invejado ou entrar em problemas familiares. Estamos todos num mundo a procura de bem-estar para as nossas famílias, mas há os que têm o jeito de fazer outros tipos de vida. Se formos para o campo prático, essas pessoas poderiam ser nossos empregados.
 
Não posso fazer esse tipo de vida. Estou a espera do dia em que Deus me der dinheiro limpo. O que tenho e a forma como o ganho, aliás, como toda agente sabe é com isso que levo a minha vida.
 
Eu é que sei o que tenho e o que não tenho. Não vale pena pôr na” hasta pública” tudo aquilo que eu tenho e muito menos no jornal, na rádio (estação) ou na televisão. Isso não é importante para mim e o mais importante é que todo o mundo saiba o que tem. Um dia as pessoas saberão o que na verdade a pessoa tem ou não.
 
Compreendo essas especulações sobre a minha vida. Os meus fãs querem ver uma fortuna grande. Queira Deus, um dia vou apresentar a minha fortuna, mas peço às pessoas que não forjem indignidades.
 
Porque se eu vier a parar no calabouço, ninguém poderá tirar-me de lá. Deixem-me viver da forma como os meus pais me educaram, que é buscar de forma digna, para levar a vida e poder viver com a minha família e educar os meus filhos. Quero viver com toda a dignidade para deixar os meus filhos um bom legado, portanto eles poderão vir a seguir o meu caminho e construir algo importante para o país.
 
Por: Assana Sambú/Sene Camará