sábado, 4 de junho de 2016

FALHAS E AVISOS SÉRIOS: PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O GOVERNO DE BACIRO DJÁ

Todas as criticas, sugestões ou opiniões construtivas são aquelas  que trazem consigo um fundamento e algumas potenciais soluções para a razão das mesmas. É fácil separar os dois tipos de crítica, a construtiva e a destrutiva : a primeira resulta numa opinião que prevê o melhoramento e surge, por norma, de alguém com visão e treino em transformar o mediano em excelente, a segunda resulta em algo com pouco fundamento  e surge de alguém pouco criativo, com o ego a roçar a arrogância. Portanto o governo de Dr. Baciro Djá deve saber lidar bem com a crítica construtiva em detrimento da destrutiva - Bambaram di padida
 
 
Caros leitores, hoje trago-vos as minhas primeiras considerações sobre o novo elenco governamental liderado por Baciro Djá. No último post, disse que era cedo para me pronunciar, mas agora já há alguns comentários a fazer. Apenas um dia depois da tomada de posse, posso já apontar cinco falhas a este executivo: quatro delas são habituais e já não constituem novidade; a quinta é extremamente perigosa e pode constituir um mau presságio para este novo Governo (e para o próprio Presidente da República «PR»). Aproveito também neste post, e face a este cenário, volto a apresentar algumas das propostas do meu Modelo Político de Governação relativamente ao número de elementos e à igualdade de género.


Primeira falha – O novo Governo é formado por 32 membros, entre 20 ministros e 12 secretários de Estado (RFI, 02-06-2016). Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra, não faz sentido ter um Governo com esta dimensão, que implica gastos enormes e uma maior dispersão de recursos e tempo. Numa situação destas, quando se procura contentar a todos, é muito difícil evitar que se instale o sentimento de alguma frustração, sendo obrigatória a criação de um órgão que funcione como cláusula-travão para filtrar as propostas antes da sua chegada junto dos órgãos competentes (Keane, 2009: 39-41; Leão, 2001: 270). Se José Mário Vaz «Jomav» já se queixava do elevado número de membros do Governo, é difícil acreditar que esteja de acordo com este figurino. As áreas-chave que ele enumerou (salvação da campanha do cajú, a produção de arroz e o fornecimento de peixe às populações, água potável, energia eléctrica, melhor educação, serviços de saúde e infraestruturas sociais) parecem não bater certo com este enorme elenco Governativo (Voz da América, 03-06-2016). Este é um ponto do qual os seus opositores podem fazer um forte aproveitamento político.
No meu Modelo Político de Governação, os ministérios devem corresponder e articular-se com as Áreas de Especialistas que compõem o órgão consultivo das Áreas de Estudos – Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial «AE-OCMI», tal como eu já referi de forma muito superficial num post anterior. No primeiro bloco do Modelo Político Unificador, o Governo guineense passará a funcionar com 8 ministérios, na expectativa de terem no máximo 10 secretarias de Estado que serão subdivididas em outras categorias administrativas. No segundo e terceiro bloco há uma “lipoaspiração governamental”, para ficarmos só com um dos órgãos – ou os ministérios ou as secretarias (entre 8 e 10). De preferência, com aqueles que apresentem menores custos e maior viabilidade para a estabilidade política da Guiné-Bissau.
Segunda falha – Dos 32 membros do Governo, apenas quatro são mulheres (uma ministra e três secretárias de Estado). Aliás, o único ministério liderado por uma mulher diz respeito à Mulher, Família e Coesão Social. Esta situação reflecte a grande desigualdade de género patente na sociedade guineense, profundamente desrespeitadora dos direitos das mulheres – tanto na Assembleia Nacional Popular «ANP», nos tribunais, nas Forças Armadas, etc. Colocar uma ministra apenas, e naquele lugar em particular, transmite a ideia de um preconceito latente que encara as mulheres como domésticas, quando, na realidade, há quadros femininos com grande potencial tanto na Guiné-Bissau como na diáspora.
 
No meu modelo, as mulheres deverão ocupar, preferencialmente, 50% dos lugares de topo, seja no Governo, na Administração Pública, ou em qualquer organismo, incluindo os privados. É necessária uma profunda mudança de mentalidades, em coerência com a mudança de discursos e de procedimentos práticos exemplares, para que a Guiné-Bissau pode alcançar o sucesso.
 
Terceira falha – Está a faltar ainda a escolha do nome para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, e a tomada de posse dos ministros dos Recursos Naturais e do Interior, que são áreas-chave. Espero que Baciro Djá não repita o mesmo erro de Carlos Correia, que tomou para si a pasta dos Recursos Naturais, sem nunca ter chegado a escolher um ministro. Baciro Djá, que está a ser nomeado Primeiro-Ministro «PM» pela segunda vez, e já estaria preparado para esta segunda nomeação, deveria ter uma lista pronta muito mais rapidamente.

        Quarta falha – O nome de Botche Candé foi apresentado como Ministro de Estado e do Interior, no entanto, este não chegou a tomar posse. Numa conferência de imprensa, Botche Candé disse ter sido convidado para o cargo pelo PR através de telefone, tendo respondido que não podia aceitar antes de consultar o seu partido. Apesar disso, afirmou que jamais trairia o seu partido, o PAIGC (ANG, 03-06-2016). Este caso levanta muitas dúvidas. Porque razão o PR José Mário Vaz «Jomav» contactou Botche Candé e não outra pessoa da confiança de Domingos Simões Pereira «DSP»? Porque razão não recusou, deixando que o seu nome constasse na lista para depois tornar o caso público? Será que Botche Candé não é uma das “toupeiras” de Jomav? De que lado está Botche Candé? Até quando DSP fechará os olhos e ouvidos ao facto de não ter verdadeiros aliados dentro do PAIGC? Será que Botche Candé também esteve barricado? Recomendo a todos a leitura da Arte da Guerra de Sun Tzu (em especial “A utilização de Espiões”) e, de Plutarco, Como tirar partido/proveito dos seus inimigos e Como distinguir um bajulador de um amigo.
Penso que Botche Candé não está a contar toda a verdade. É provável que tenha uma relação muito mais próxima com Jomav do que está a querer transmitir. Este convite e integração na lista, para um posto de alta responsabilidade, por parte de alguém que já o demitiu, revela uma forte confiança da parte de Jomav. A conferência de imprensa de Botche Candé poderá ser uma manobra de populismo para tentar enganar a ala pró-DSP, de forma a que não desconfiem do seu papel duplo no PAIGC. O maior gesto de solidariedade para com DSP seria barricar-se com o Governo demitido, e não andar em conversações com Jomav para integrar o Governo de Baciro Djá. Estou convencido que DSP deveria ponderar seriamente uma retirada estratégica, tal como já aconselhei.
 
Quinta falha e mais preocupante de todas - O PR entregou ontem um cheque da Agência de Cooperação Guiné-Bissau/Senegal no valor de 500 milhões de francos CFA ao PM Baciro Djá, para a construção de uma avenida com o nome do ex-PR João Bernardo Vieira «Nino Vieira», que ligará a Praça do Império à zona industrial de Bolola (ANG, 02-06-2016).
     Esta ideia de homenagear o ex-PM Nino Vieira não é nova: em Abril do ano passado, o actual presidente da ANP, Cipriano Cassamá, apresentou a proposta de construção de uma estátua do antigo dirigente [Nino Vieira] em Bissau, com o apoio de Cuba (GBissau, 30-04-2015). Estes dois factos reforçam a minha tese de que Cipriano Cassamá e Jomav estão em sintonia.
 
Tudo indica que Nino Vieira terá uma estátua e uma avenida em homenagem ao seu contributo para a pátria. Contudo, a sua morte, ainda por esclarecer, e o seu passado, que deixou feridas abertas, revelam que a sua figura provoca tensão na sociedade guineense, em especial pela forma como estes gestos podem ser recebidos por um certo sector da classe castrense e da sociedade em geral. É claro que Nino Vieira merece ser homenageado, no entanto, é necessário um consenso político-militar para ponderar as outras figuras que também deveriam ser homenageadas desta forma, para criar um ambiente mais pacífico e equilibrado. Neste momento, isto não é prioritário – há questões muito mais urgentes para resolver e esta iniciativa passa uma imagem muito duvidosa sobre as prioridades deste novo Governo. Desde quando o cheque se encontrava na posse de Jomav? É correcto entregar um cheque destes para iniciar a obra num período chuvoso da Guiné-Bissau? Parece que esta será uma tentativa de “puxar” os apoiantes do ex-PR Nino Vieira que ainda estão na ala pró-DSP. Receber apoio é muito bom, mas é preciso ser realista: não seria este dinheiro muito mais bem aproveitado numa escola, num hospital, nos quartéis, etc.? Além disso, há dúvida sobre o posicionamento de Macky Sall, este cheque pode ser um presente envenenado, tal como muitos outros que são “oferecidos” aos países em dificuldades. Este acto deve ser ponderado e corrigido, sob pena de ser utilizado para gerar ainda mais confusão, levando à queda do Governo e do próprio Jomav
 
Conclusão. Este Governo deve pautar-se pela moderação, reconciliação, diálogo e, na medida do possível, pela transparência junto da sociedade, da comunidade internacional e da comunicação social. Em relação ao Governo demitido, ainda barricado, sugiro que procure um entendimento, resolvendo a situação sem o recurso à força. Vou ponderar, num próximo post, apresentar um tipo de Governo que poderá vir a criar estruturas para uma verdadeira modernização política da Guiné-Bissau.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 81, 86, 263, 434, 456-457, 462-463, 550). Lisboa: Chiado Editora.