A capital angolana, Luanda, tornou-se um ponto de "trânsito
intercontinental" do comércio ilegal de marfim e pode estar a contribuir
para a iminente extinção da população de elefantes da vizinha República
Democrática do Congo, indica a National Geographic.
Um artigo intitulado "Relatórios sobre o comércio de marfim em
Angola - será que a entrada da nação na CITES vai fazer a diferença?",
escrito por duas investigadoras da área de Conservação de Primatas em África e
no sudeste asiático refere que "presentemente Luanda representa um
ponto-chave do trânsito intercontinental para grande escala de comércio ilegal
de marfim".
As pesquisadoras escalaram o mercado de Benfica, famoso pela
comercialização de peças feitas à base de madeira africana e muitas outras
materiais caros, como o pau-preto e o marfim.
"Quando entramos no mercado vimos muitas esculturas em madeira,
pinturas, tecidos coloridos e outros produtos artesanais", mas "o
mais chocante no Benfica foi a quantidade impressionante de marfim vendido a
preço de oferta, confinado a uma secção que contém cerca de 30 mesas",
relatam as investigadoras Elena Bersacola e Magdalena Svensson.
Foi também à entrada ao famoso mercado de Luanda onde as pesquisadoras
viram exposta várias peles de leopardo uma espécie protegida penduradas nas
vigas, ao lado de uma estrada movimentada, demonstrando o que de "horrível
estava dentro do mercado", pelo que "logo percebemos que havia também
uma grande quantidade de produtos de origem animal para a venda", afirmam.
"Estes incluíam conchas de tartarugas marinhas, muitas das quais
decoradas com pinturas brilhantes ou esculturas, peles de animais, denteis e
chifres, e até mesmo os papagaios estranhos e um macaco azul", contam.
No artigo da National Geographic, Elena Bersacola e Magdalena Svensson
consideram que o tamanho e a forma das presas encontradas no mercado Benfica
sugerem que a maioria das peças de marfim ai comercializadas terá provavelmente
sido extraída de "elefantes da floresta e não de elefantes de savanas
circundantes".
Em Angola, os elefantes da floresta são encontrados apenas em Cabinda,
um enclave situado entre o Congo (ex-Zaire) e República Democrática do Congo
(RDC), enquanto os elefantes da savana estão presentes em regiões sul e
nordeste, bem como no Parque Nacional da Kissama, a sul de Luanda, onde a
população estimada é de 86 indivíduos, incluindo elefantes transladados de
Botswana.
"Se o marfim do mercado de Benfica realmente vem da RDC, Angola
estaria a contribuir diretamente para a iminente extinção das restantes
populações de elefantes da floresta na RDC", consideram as investigadoras.
A passagem das estudiosas por Luanda procede a visita efetuada por
outro grupo de pesquisa de primatas noturnos, dirigido por Tom Milliken, que
também passou pelo mercado do Benfica e, posteriormente, publicou um relatório
intitulado "No Peace for Elephants", que aborda o comércio de marfim
em Angola.
"Tal como nós, eles encontraram um significativo comércio de
marfim no mercado de Benfica", mas a venda é feita também "em vários
outros locais em Luanda, incluindo hotéis de três, quatro e cinco estrelas e
várias lojas, visando claramente os compradores estrangeiros",
nomeadamente "a clientela asiática", afirmam no artigo Elena
Bersacola e Magdalena Svensson.
Aliás, prosseguem as investigadoras, no relatório "Tom Milliken e
seus colegas fundamentam de forma convincente que a fonte (do marfim
comercializado no mercado informal angolano) foi, provavelmente, os países
vizinhos do norte do Congo e República Democrática do Congo".
Aquando da sua visita ao mercado de Benfica, as pesquisadoras viam
também "muitas estatuetas de Buda e dragão, pauzinhos, e selos de nomes
típicos asiáticos", aliás, em agosto do ano passado, mais de cem
quilogramas (268 libras) de marfim obtidos em Angola foram confiscados em
Banguecoque, mas o seu destino "parecia" mesmo o Camboja.
Na altura da pesquisa, Angola ainda não se tinha juntado à Convenção
sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora, o que
veio a acontecer em finais do ano passado, ao se tornar o 179º Estado membro
que aderiu ao instrumento.
Anteriormente, o país concordou em participar do Sistema de
Informações sobre o Comércio do elefante (ETIS, sigla em inglês), que monitora
o comércio global de marfim, em parte, através da análise de dados sobre
apreensões de países participantes. As autoridades de "Angola, no entanto,
nunca apresentaram quaisquer relatórios a ETIS, sugerindo que a aplicação da
lei no que diz respeito ao comércio de marfim está ausente", consideram as
investigadoras, assinalando que "embora esta entrada (de Angola) à CITES -
Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora
Silvestres Ameaçadas de Extinção - dê um réstia de esperança, é difícil prever
o efeito real que terá sobre o comércio nacional e internacional de
marfim".
Comentando a denúncia publicada na National Geographic, o
ambientalista moçambicano Carlos Serra, que conhece a realidade da fauna
angolana, disse à Lusa que Angola e Moçambique "têm um historial muito
comum e estão, neste momento, na mira da caça furtiva", além de que
"são corredores de comércio ilegal internacional de espécies protegidas
incluindo o marfim".
"Ambos os países enfrentam uma ameaça muito séria e, se nada for
feito, quer em Angola, quer em Moçambique, para travar isso - quando digo nada
refiro-me a medidas mais duras e firmes - adeus elefante", disse Carlos
Serra.
Para o caso de Moçambique, assinalou o ambientalista, "não há
ilusões quanto a isso: o extermínio que está a ocorrer na reserva de Niassa e
em regiões de Cabo Delgado é prova clara de que é preciso passar para outra
abordagem de intervenção, mas claro combinando com as medidas
internacionais". RTP