domingo, 14 de setembro de 2014

OPINIÃO: O PROCESSO DECISÓRIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GUINEENSE

PedroCo
 
Por: Pedro Rosa Có
 
Quase que já não me lembro do último artigo de opinião que publiquei num dos órgãos da comunicação social nacional. Regresso agora com um tema que me atravessou desde que ingressei na função pública guineense. Nos primeiros tempos, pensei que fosse uma situação circunstancial e localizada. Mas a sua constância ao longo do tempo passou a prender mais a minha atenção. Trata-se da desburocratização do processo decisório na nossa função pública.
 
Concluímos o processo eleitoral com a chave de ouro. As eleições foram consideradas unanimemente de livres, justas, transparentes e equitativas pelos observadores nacionais e internacionais.
 
Mas a Guiné-Bissau continua a mesma, com as mesmas pessoas, mesma cultura, mesmo setor público e privado e mesma comunidade internacional.

 O Sector privado, sem meios e limitado em termos de organização, pouco pode oferecer no curto e médio prazo. O Setor público, com reformas amontoadas desde longa data, carece urgentemente de meios avultados financeiros para o efeito.
 
A comunidade internacional continua a mesma de sempre. Exige muito de nós e oferece pouco, mas pouco mesmo. Aliás, temos um eterno problema de falta de chefe de fila para a Guiné-Bissau junto da comunidade internacional ocidental. Não podendo esperar muito desta, pelo menos, no curto prazo, acomodemos com a nossa vizinhança, que já nos valeu alguns biliões de Francos CFA para o pagamento de atrasados salariais. Já agora, parece que temos um chefe de fila junto da CEDEAO, a Nigéria, que Boko Haram teima em tentar fragilizar.
 
Como disse, se da comunidade internacional ocidental esperamos pouco, não devemos descurar a boa gestão dos assuntos internos. Atenção, não estou a pensar na gestão económica e financeira. Nada de economia e de finanças. Destas ocupar-se-á, e muito bem, o Dr. Geraldo Martins, que tem traquejo intelectual e estatuto pessoal mais que suficientes para a empreitada.
 
Estou a pensar na boa gestão de outros assuntos domésticos.
É que temos um crónico problema de desburocratização do processo decisório. Nos aquivos públicos e no jornal oficial encontramos Leis, Decretos-leis, Decretos, Resoluções, Regulamentos, Despachos, Ordens de serviço sobre assuntos importantes que não têm traços de um processo decisório escrito, com pareceres, contra pareceres, informações diversas, audições dos interessados.
 
Uma simples ideia lançada por desconhecido e disseminada por um arauto de serviço, é suficiente para, no dia seguinte, justificar a saída de uma decisão espetada na vitrina do Ministério ou da instituição concernente.

 Com a decisão tomada, autenticada e selada com o “Cumpra-se” e ”Comunique-se”, quem ousaria desafiar o chefe para saber da sua motivação, dos estudos ou pareceres de gente autorizada que sustentaram a decisão? Seguem-se apenas murmúrios e comentários soltos nos mesmos locais de sempre até que chegue o novo chefe, que, não ausência do antecessor, um funcionário “diligente” se apressa a dizer-lhe que a decisão tinha sido tomada sem consultar os técnicos. Ou seja, o Ministro ou chefe da instituição chegou de manhã cedo e mandou produzir o Despacho, sem mais.
 
Entretanto, o novo Ministro ou chefe da instituição, sem perder tempo em consultar mais ninguém ou abrir um processo decisório, manda produzir um novo Despacho, autenticado e selado com o “Cumpra-se” e “Comunique-se” habituais, no qual invoca a necessidade de reestruturação dos serviços para fazer face às reformas previstas no programa do governo.
 
É uma prática bem enraizada no modus operandi da nossa administração pública. Não é fácil tentar mudá-la, sem passar por alguém que sistematicamente atrasa a tomada de decisões urgentes no quadro da implementação dos projetos e programas. Não tarda, os colegas do serviço catalogam-no de alguém com tendência para complicar coisas simples.

 A ausência crónica de um processo decisório formal conduz a decisões pouco refletidas. Porque sem processo decisório, significa que ninguém pensou a sério, estudou, recolheu informações e confrontou opiniões contrárias, antes da decisão. Portanto, ninguém se responsabiliza pela decisão do chefe.
 
A rapidez com que se decide tolhe a mente de quem está lá no gabinete do chefe ou no serviço competente justamente para pensar ou informar antes das decisões; não permite triar funcionários (bons e maus); favorece a fluidez de boatos e simplificações para decisões que deviam ser suficientemente refletidas por gente legal e cientificamente autorizada.

 Por último, destaco um dos males a que a falta de formalização do processo decisório tem conduzido: perpetua a ilusão de que abundam quadros qualificados na administração pública, quando, na realidade, escasseiam nela gente capacitada para produzir pensamento estruturado e consistente. Há muito que formamos e experimentamos quadros para as ONG’s, organismos internacionais e outras estruturas mais atractivas do ponto de vista remuneratório.
 
Há quem diga que a informalidade é própria de Estados africanos ou de Estados onde se tem uma ideia pouco rígida das regras jurídicas, onde tudo se pode adaptar em função do calendário do momento e da agenda pessoal.
 
Se o processo decisório é legalmente demorado, uma abordagem flexível da lei e do direito permite sempre queimar etapas e dispensar certas diligências consideradas perda de tempo, ignorando que isso implicará afastar certos intervenientes do processo decisório e conduzir eventualmente a tomada de decisões imparciais, porque não se incluiu no procedimento decisório elementos importantes de ponderação.

 Portanto, é tempo de regressarmos à burocracia, ao pedido de informações, à sua compilação e análise, às reuniões que proporcionem o confronte de ideias, que devem anteceder as conclusões e recomendações finais ao chefe, antes da saída de um Decreto ou Decisão autenticado e selado com “Cumpra-se” e “Comunique-se” conscientes, porque resultantes de um processo pensante.