domingo, 12 de junho de 2016

GUINÉ-BISSAU: MINISTÉRIO DAS FINANÇAS NO RETROVISOR ESQUERDO – PARTE 1

Adulai Djaló "Lai" (Canada) | wyado@hotmail.com
Fonte: http://www.gbissau.com

O Ministério das finanças (MF) é a instituição da República responsável pela política fiscal e orçamentária. Ele é quem elabora o Orçamento Geral do Estado a fim de ser anualmente submetido à Assembleia Nacional Popular (ANP) para a discussão, aprovação ou reprovação. MF também vela pelo respeito e cumprimento das regras e procedimentos sobre a arrecadação e receitas provenientes de impostos sobre os lucros de empresas; impostos sobre os rendimentos de funcionários/trabalhadores públicos e, quando praticadas no país, o MF é o responsável pela cobrança de taxas de bens e serviços para o consumo final.
 
Por Adulai Djaló “Lai” (Canadá) | wyado@hotmail.com
 
Grosso modo, o Ministério das finanças é o garante de fundo de funcionamento das instituições do Estado.
 
No “volante” do Ministério das Finanças da Guiné-Bissau como condutor, no último ano e meio, aproximativamente, esteve Geraldo J. Martins. Ele, consciente ou inconscientemente das suas responsabilidades como gestor da pasta de Finanças, não deu conta que haviam muitos observadores na mira do retrovisor esquerdo da viatura que ele conduzia sob à alçada do Domingos S. Pereira e, após a exoneração deste último, sob o comando mitigado de Carlos Correia na chefia do governo guineense.
 
Não fosse as últimas decisões do FMI em alertar sobre a possibilidade do cancelamento de todas as ajudas/facilidades prometidas à Guiné-Bissau e o comentário sobre esse assunto feito pelo próprio ex-titular da pasta da Economia e Finanças, não julgaríamos pertinente produzir e partilhar o conteúdo do presente artigo de opinião neste preciso momento. Mas, o dever e a responsabilidade cidadã assim exige!
 
O facto de existir uma abundante documentação sobre a temática do título em epígrafo, somos obrigados a dividir esta abordagem, no que tange à prática de gestão das Finanças públicas do país, em partes. Nesta primeira parte (parte 1), vamos cingir, essencialmente, no imbróglio entre o FMI e o Ministério das Finanças, na pessoa do seu ex-ministro, Geraldo J. Martins.
 
Após uma leitura e análise minuciosa dos documentos do FMI/Banco Mundial em minha posse, tive o prazer de compilar certas informações que classificarei, nesta primeira fase deste trabalho, a começar pelo «Apontamento A».
 
APONTAMENTO A
 
O FMI, através do seu represenante, Senhor Oscar Malhado, no artigo de 3 de junho 2016 , intitulado “IMF HALTS PAYMENTS TO GUINEA-BISSAU OVER BANK BAILOUTS-IMF OFFICIAL,” fez chegar ao grande público nacional e internacional as seguintes revelações preocupantes e comprometedoras sobre o futuro económico e financeiro da Guiné-Bissau:
The International Monetary Fund (IMF) will withhold future payments under its program with Guinea-Bissau unless the government backtracks on loan bailouts for two private banks, the institution’s country representative said. 
Donors have also suspended budget support equal to 2.1 percent of GDP for this year, Oscar Melhado told Reuters by email. Total donor contributions, including direct budget support and financing for targeted sectors and projects, typically make up around 80 percent of the budget. 
The tiny West African nation, which has been mired in a months-long political crisis, must submit a new 2016 budget factoring in this lost budget support before IMF payments resume. 
“The IMF will not disburse any outstanding credit tranches as previously envisaged,” Melhado said. 
Last year the government rejected IMF advice and paid 34 billion CFA francs ($57.81 million), 5.5 percent of GDP, for bad loans off Banco da Africa Ocidental and Banco da União. 
A former prime minister who oversaw the deal told Reuters it was necessary to avoid bankrupting the private sector. (…) 
“The costly bank bailouts benefit the wealthiest people in the country and wealthy foreign shareholders, and come at the expense of urgently needed projects to improve the infrastructure and to reduce poverty,” Melhado said. (…) “The State has asked the courts to cancel the contracts,” Bakari Biaii, the magistrate handled the investigation, told Reuters. “We are awaiting the response.”  (…) The bailouts occurred under former prime-minister Domingos Simoes Pereira and Carlos Correia. Pereira told Reuters they had been proposed by a previous transitional government and had been approved with a view to helping Guinea-Bissau’s fragile recovery. 
“We cannot allow the private sector as a whole to go into bankruptcy,” he said. “Our reasoning was logical, but, yes, it goes against the agreement that was set out by the IMF.” 
Correia could not immediately be reached for comment. (…) Without the IMF payments, this year’s budgetary shortfall will climb to 3.1 percent of GDP, the IMF’s Melhado said.
Resumindo, o texto em inglês diz o seguinte:
O senhor Oscar Malhado informa que se o governo de Domingos S. Pereira não recuar no que concerne aos empréstimos mal parados junto aos bancos privados, o FMI vai reter os pagamentos contemplados no programa com a Guiné-Bissau. O mesmo Senhor, através de correio electrónico pessoal, adianta a notícia de suspenção de apoio orçamental à Guiné-Bissau no equivalente de 2.1 % do PIB pelos doadores e que a pequena Nação oeste Africana é obrigada a apresentar um novo orçamento para o ano 2016. O FMI não desbloqueará nenhuma tranche de crédito sem que as condiçoes acima referenciadas sejam respeitadas. 
No ano transato, o governo rejeitou o conselho do FMI e pagou os “maus” empréstimos junto ao Banco da África Ocidental e ao Banco da União num montante de 34 bilhoes de franco CFA, correspondente a 57.81 milhões de dólares, 5.5% do PIB. 
Justificando a tal prática, o ex-primeiro ministro Domingos Simões Pereira argumenta que a decisão era necessária para evitar a falência do sector privado. 
Esse argumento foi descartado pelo representante do FMI dizendo que as decisões de Domingos Simoes Pereira e de Carlos Correia apenas beneficiaram aos mais ricos e aos investidores estrangeiros, negligenciando a construção de infraestruturas e a redução da pobreza.
[Fim do apontamento A].
 
COMENTÁRIOS
 
O conteúdo da notícia não nos tem surpreendido por se enquadrar perfeitamente na óptica da preocupação expressa no artigo de opinião, intitulado, “ERRO SUICIDA” datado de 22 de maio 2016 e disponível no mural de Facebook de Adulai Djalo-Lai.
 
A tentativa de explicação em “Dez Notas” por parte do Geraldo J. Martins, sobre o assunto nos parece descontextualizado. Na sua primeira nota transcreveu parcialmente o conteúdo do texto de decisão do FMI e a partir daí, registamos derrapagem de explicações fora do contexto… ele tem tentado explicar as realidades que se têm sido verificados noutras economias, mas, que não têm nada a ver com a preocupação e a decisão do FMI sobre a Guiné-Bissau.
 
Na sua segunda nota, Geraldo Martins afirma o seguinte : «A notícia sobre a suspensão dos desembolsos do Fundo Monetário Internacional à Guiné-Bissau é falsa». Ora, é tudo ao contrário que consta no texto do FMI. A nota 3 é uma explicação deturpada da preocupação do FMI!
 
De terceira à nona nota, o ex-governante tenta explicar a importância de resgatar bancos comerciais em situação de crise económica. Ora a decisão do FMI em cancelar os desembolsos à Guiné-Bissau tem como suporte o facto de o governo decidir pagar «maus» empréstimos contraídos pelos nossos cujos-ditos operadores económicos, em vez de alocar a ajuda em melhoramento de infraestruturas e o combate à pobreza.
 
O exemplo avançado na «quarta nota» não foi o que se praticou na Guiné-Bissau. Há uma grande diferença entre resgatar bancos comerciais e utilizar ajuda/facilidades financeiras ao país para pagar empréstimos contraídos pelos nossos cujos-ditos operadores económicos que, em geral, são cronicamente falidos, particularmente, nas vésperas de campanha de cajú.
 
No primeiro mandato de Obama, o Senado americano, após intensas discusões, decidiu dar o aval ao governo de injectar fundos do tesouro americano (não estamos a falar da dívida do Estado Americano) para resgatar bancos comerciais (não para pagar a dívida contraída pelos homens de negócios) que corriam o risco de falência por terem facilitado emprestimos aos cidadãos com credibilidade financeira frágil e, paralelamente, dar facilidades de acesso ao crédito às empresas americanas como General Motors (GM) e outras empresas geradoras de riqueza e criadoras de emprego de qualidade. Estas são empresas bem implantadas no xadrez sócio-económico dos Estados Unidos.
 
O Ministério das Finanças da Guiné-Bissau é uma instituição pública e não privada. As decisões emanadas deste pelouro não podem representar, em nenhuma das circunstâncias, segredo do Estado porquanto elas influenciam o comportamento dos agentes económicos e, a criação de riqueza que, consequentemente, contribui na melhoria do bem-estar da população!
 
Se no passado recente, a ajuda aos operadores económicos (Jeta Bissau; Tunkara; Djabi, Mbemba Djau, etc.) com fundos contraídos ao abrigo da dívida e ajuda dos parceiros de Bretton Woods (FMI e BM), essas tais dívidas passaram despercebidas por razões alheias à nossa vontade e numa realidade sombria da história da Guiné-Bissau. Mas, hoje, não podemos continuar a caucionar decisões semelhantes, venham elas de onde vierem.
 
Vamos continuar a partilhar, humilde e pedagógicamente com todos os guineenses e amigos da Guiné-Bissau, o nosso conhecimento e experiências nos domínios que temos sempre acarinhado: a economia e finanças.
 
Para os vivos e para a geração vindoura, VIGILANTES E UNIDOS!
Com a Guiné-Bissau no coração,
Adulai Djaló – Lai (Canadá)
Ex-técnico do Banco Central da Guiné-Bissau
Professor da Economia e das Estatísticas (Canadá)
Montreal, 11 de junho de 2016
 
  • N.B. : Para muito em breve seguirá a parte 2 deste artigo