Quando os primeiros etíopes chegaram a Israel, o grande rabino exigiu-lhes uma conversão simbólica, através de um banho ritual. Foram os únicos imigrantes judeus que tiveram de ser purificados desde a criação do Estado hebraico. «Desde que aqui vivo, conheci o racismo todos os dias da minha vida», diz ao El Pais Tsega Melaku, uma etíope que vive em Israel.
Melaku é jornalista e ativista social. Decidiu dar a cara e a voz em nome da comunidade etíope presente no país. São cerca de 140 mil pessoas, o equivalente a 2% da população. Fê-lo após o recente crescendo nos protestos dos judeus africanos contra o racismo e a violência policial. «As manifestações dos últomos dias foram apenas um ponto de “explosão” do mal-estar causado pelos problemas de integração que se acumulam há mais de três décadas», diz a também autora do livro «Não na nossa escola» (tradução livre), onde conta a história da discriminação que sofreu na Etiópia, de onde partiu com 16 anos, por fazer parte de uma minoria religiosa. Melaku tornou-se conhecida da opinião pública israelita numa campanha de protesto em 1996, contra a recusa da Estrela Vermelha de aceitar doações de sangue dos israelitas de origem etíope, alegando que poderiam ser portadores de HIV.
Agora, as imediações da residência do primeiro-ministro, primeiro, e a praça Isaac Rabin, em Tel Aviv, depois, tornaram-se em campos de batalha contra as forças de segurança, ao longo de uma Intifada dos jovens da comunidade etíope. «Disseram basta, querem ser iguais aos demais no seu próprio país, mas não confiam no sistema», resume Melaku, que atribui a radicalização dos protestos à rutura entre a geração dos sabra (os que já nasceram em Israel) e as estruturas de poder patriarcal da comunidade, até aqui nas mãos dos líderes religiosos. «Os nossos pais e nós mesmos – fomos todos mais submissos que os nossos filhos», explica a ativista.
Os protestos começaram no início deste mês, em Jerusalém, depois de ser divulgado um vídeo que mostra dois polícias a agredirem um soldado israelita negro. Os polícias foram suspensos e a sua conduta está a ser alvo de investigação. O militar, Damas Pakada, foi recebido com um abraço pelo PM, Benjamin Netanyahu, no palácio do governo. O Presidente, Reuven Rivlin, foi mais longe, reconhecendo que o Estado «cometeu erros» ao não ter sabido lidar com os problemas enfrentados pela minoria etíope.
Um terço das famílias da comunidade judia africana em Israel vive abaixo do limiar da pobreza. No total da população do país, este índice só afeta 15%. Os falashas vivem agrupados nos bairros mais desfavorecidos e têm pouca ou nenhuma relação com as outras comunidades israelitas. Muitos dos jovens tentam seguir uma carreira militar para conseguirem alguma inclusão e também estabilidade.
Melaku avisa que não se devem estabelecer paralelelos entre a revolta dos jovensetíopes de Israel e os protestos da comunidade negra em Ferguson ou Baltimore, nos EUA. «Nós viemos para aqui porque quisemos, pela nossa religião e porque nos sentíamos discriminados na Etiópia», lembra. E diz também que a situação não é semelhante à dos imigrantes africanos clandestinos ou à dos palestinianos: «Nós somos cidadãos israelitas. E por isso mantenho-me otimista, ainda que o governo tenha mesmo de tomar medidas para integrar os nossos jovens na sociedade». Mas insiste na importância de se manterem as identidades: «Quando cheguei a Israel pediram-me que escolhesse um nome judeu. Recusei. O meu nome foi-me dado pelo meu avô, e na nossa cultura o nome é uma dádiva – não é só uma palavra tradicional ou bonita». Fonte: Aqui