sábado, 13 de setembro de 2014

DOCUMENTÁRIO MOSTRA "VELOCIDADE" DA MUDANÇA NAS ILHAS GUINEENSES DOS BIJAGÓS

A mudança está a chegar às ilhas dos bijagós com "velocidade" e "impacto", observou Luís Correia, que realizou um documentário sobre a etnia da Guiné-Bissau, com estreia mundial na segunda-feira, em Lisboa.
 
A ideia do documentário ‘No reino secreto dos bijagós’, uma co-produção da LX Filmes e do programa Próximo Futuro, da Fundação Calouste Gulbenkian, nasceu de "uma grande curiosidade pela cultura, pelo modo de vida e pelo relacionamento com a natureza e o mundo em geral" da etnia dos bijagós, resumiu o realizador à Lusa.
 
A ideia inicial era fazer apenas um documentário, mas "seria superficial", e, portanto, este é o primeiro de alguns episódios, no caso sobre o mundo espiritual e mágico.
 
A etnia guineense dos bijagós apresenta "aspetos únicos" no relacionamento com a natureza e o mundo, bem como na organização social, de linhagens matrilineares.
 
Durante dois anos, Luís Correia esteve no arquipélago "várias vezes", onde se apercebeu das "contradições" do desenvolvimento. "Provavelmente somos os últimos a ter a possibilidade de filmar este momento, em que, por um lado, ainda existe um vestígio e uma presença da cultura tradicional, mas, por outro lado, sente-se que as coisas vão mudar e que vão mudar radicalmente", reconheceu.
 
O "momento de profunda transformação" em curso terá "consequências provavelmente dramáticas", antecipou o cineasta. O desenvolvimento trouxe educação e dinheiro, o que "não é negativo", mas fez com que os mais jovens deixassem as suas comunidades, gerando "uma espécie de rutura" na organização social das tabancas.
 
Os bijagós estão organizados em classes de idade, sendo que os mais novos têm obrigações para com a sustentabilidade da comunidade, enquanto os mais velhos têm a responsabilidade de transmitir o conhecimento. Ora, se os mais jovens deixarem de cumprir as suas tarefas, "como vai o coletivo sobreviver?", questionou o realizador.
 
Por exemplo, o tocador de bombolom, instrumento essencial para as cerimónias, morreu numa aldeia, sem ninguém que o substitua. "Não havendo cerimónias, significa que há uma interrupção dramática no ciclo natural", explicou. E outras crenças, nomeadamente evangélicas, estão a atrair os jovens, afastando-os da tradição, o que "também causa rutura".
 
"Muitas destas pessoas que aparecem vindas de fora trazem uma ideia preconcebida do que deve ser o progresso e o desenvolvimento", criticou, assumindo que há "uma espécie de ironia" na chegada de um realizador do Ocidente, a viver "uma crise de implosão", a um território que comprova "a urgência" da ética e do respeito pela natureza.
 
"O coletivo deixou de ser importante, os valores são individuais, egocêntricos, toda a existência é em função dessa espécie de satisfação das coisas pessoais, ser melhor, ser mais rico, ter isto, ter aquilo", lamentou.
 
Ao contrário, para os bijagós, o interesse individual está sujeito ao interesse coletivo e tudo está interligado. "Se se mexe aqui numa pedra isso vai ter consequências, para cortar uma árvore é preciso pedir autorização [aos espíritos]", exemplificou.
 
O acesso de Luís Correia ao mundo dos bijagós deve-se, em muito, a Adão, um jovem de Bubaque que criou uma associação para proteger e preservar a tradição e a cultura locais. "Tem sido uma experiência genial, é a primeira vez que estou mesmo imerso numa sociedade, neste nível de proximidade com as pessoas", contou o realizador.
 
‘No reino secreto dos bijagós’, correalizado por Luís Correia e Noémie Mendelle e que conta com a colaboração do cineasta guineense Sana Na N'Hada, vai ser mostrado na segunda-feira, às 21:30, na Gulbenkian. Fonte: Aqui